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secao 4!

BEM-VINDO JURUÁ

Experiências na Cultura Tradicional Guarani

Isaac Safdie

Reginaldo Ronconi

O trabalho pretendeu dar contribuição no sentido da minimização de algumas das consequências negativas do processo de aculturação pelo qual vêm passando os diversos grupamentos sociais indígenas brasileiros, especificamente o subgrupo Mbyá Guarani, desde as históricas ações colonizadoras até as práticas mais recentes de tentativa de socialização e integração à cultura branca ocidental.

Destituídos, na maioria das vezes, das condições necessárias para colocar em prática o modo de vida tradicional só possível em faixas de terra com abundância de recursos naturais específicos e, por outro lado, sem as condições minimamente dignas para os padrões de habitação do homem branco, os indígenas passaram a conviver com os problemas próprios das parcelas mais pobres da população não indígena, como a falta de moradias, de saneamento básico e higiene, mortalidade infantil, alcoolismo e outras doenças.

Segundo a perspectiva dos Mbyá-Guarani, o seu "modo de ser", chamado nhende rekó, está profundamente associado a uma din‰mica de itiner‰ncia dentro da região reconhecida como "Território Guarani", onde mantêm uma rede de alianças geográficas entre comunidades nos países em que vivem. De acordo com Ladeira e Matta (2004), eles conservam sua visão de mundo e seus padrões de comportamento, desenvolvendo estratégias próprias de adaptação às novas realidades.

Dentre as construções existentes nas áreas indígenas Guarani, algumas são tradicionais, mas a maioria é proveniente de programas governamentais de habitação. No caso dos Guarani, houve políticas habitacionais diferenciadas que contemplaram a participação e a inserção desses nos programas e projetos. Alguns resultados foram positivos e outros ainda não satisfatórios no que tange a aspectos da tradição construtiva desse povo.

O tema da casa tradicional Guarani vem sendo destacado pelos Mbyá e vinculado à sustentabilidade nas comunidades, pois representa um dos elementos ideais de um tekoa (aldeia). A casa para os povos indígenas é percebida como um elemento vivo, com seus ciclos de vida e morte associados às necessidades de cada grupo. Consideram a casa como um ente de extensão de seu próprio ser, que vai além de uma estrutura física com função utilitária.

Recentemente, a questão da habitação indígena vem sendo tratada tanto pelo Governo (por intermédio de iniciativas da CDHU) quanto por organizações não governamentais (como a ONG Um Teto Para o Meu País). No entanto, a complexidade dessa problemática requer investigações e estudos aprofundados, a fim de viabilizar edificações que considerem diferenças socioculturais e ao mesmo tempo respeitem adequadamente princípios de estética, de harmonia ambiental e de funcionalidade. A participação e a contribuição de antropólogos, arquitetos, lideranças indígenas e representantes do Governo são fundamentais para determinar diretrizes que intervenham de modo positivo na qualidade de vida das comunidades estudadas.

A partir dessa reflexão, desenvolvi dentro de uma comunidade indígena no Jaraguá um trabalho participativo com a intenção de elaborar um projeto de moradia que compreendesse as características daquela população específica. Assim, busquei idealizar uma casa padrão para a aldeia do Jaraguá (Tekoa Pyaú) que levasse em conta as prioridades destacadas pelos próprios usuários.

Em conversas informais e croquis feitos em conjunto com os indígenas, abordamos questões que orientaram e definiram a arquitetura da casa singular existente no Tekoa. Reunimos informações sobre a tipologia, os materiais, a tecnologia e o processo construtivo da casa. Foram coletados dados mais pragmáticos, tais como medidas, proporções, localização e outras orientações em relação à arquitetura da casa. Não obstante, levamos também em conta fatores socioculturais específicos do grupo, fundamentais para a caracterização do projeto que viria a ser desenvolvido.

A partir dessa discussão preliminar sobre as necessidades dos Mbyá e sobre as características específicas da Terra Indígena do Jaraguá, elaborei um projeto que procurou respeitar a arquitetura vernacular e, ao mesmo tempo, se adequar aos par‰metros da realidade atual de um tekoa imerso em uma cidade grande como São Paulo.

Por meio de contatos estabelecidos no Jaraguá, a discussão que vínhamos fazendo a respeito da arquitetura tradicional Mbyá-Guarani nos levou a uma segunda experiência. Lideranças de um outro Tekoa na cidade de São Paulo, o Tenondé Porã, representadas por Jerá (Giselda Pires de Lima) se interessaram pelo trabalho de resgate das técnicas tradicionais adaptadas a realidade atual.

De início, a vontade de Jerá era de ampliar a Escola Estadual com uma biblioteca Guarani que incentivasse as crianças a tomar gosto pela leitura. Atualmente, a biblioteca fica em um depósito pequeno e pouco atrativo. Com o passar do tempo, vislumbramos a possibilidade de agregar outras ideias ao projeto e, assim, o programa foi se expandindo. Somou-se ao programa da biblioteca uma videoteca, um ateliê de artes indígenas, um espaço de exposições e uma sala para os professores.

Uma vez estabelecido o programa, elaboramos uma maquete do entorno existente a fim de discutir as possibilidades de implantação dos novos edifícios. Discutimos exaustivamente todas as possibilidades levantadas, levando em consideração a opinião dos professores de Escola, das lideranças da Aldeia e dos técnicos envolvidos. Mesmo tendo-se como prioridade a construção da biblioteca, achamos por bem pensar em um planejamento como um todo, a fim de dar um conjunto à Escola.

Ao longo do trabalho pude observar que a arquitetura indígena é uma das mais importantes fontes de referência de construções realmente sustentáveis em diferentes aspectos: ambiental, social, cultural e econômico. Os povos indígenas seguem uma visão de mundo mais integral na relação entre homem-natureza e, assim, contribuem para a revisão de conceitos e princípios dos atuais paradigmas socioculturais da sociedade moderna envolvente. Fica a sugestão de que a cultura juruá tem muito a aprender com quem vive nessa terra a muito mais tempo.

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