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secao 4!

A Copa do Mundo é nossa?

Jéssica Oliveira D’Elias

Raquel Rolnik

A implantação do estádio do Corinthians – o chamado “Itaquerão” – implicará significativo impacto urbano e social sobre a região de Itaquera e, principalmente, sobre a população de seu entorno. Tal construção vem acompanhada de obras a serem implementadas no âmbito da Copa do Mundo de 2014.

Se por um lado as novas intervenções significam mais emprego e uma nova infraestrutura da qual a região é carente, por outro, a concretização deste novo complexo significará o chamariz de interesses que, com a especulação imobiliária, poderão mudar a forma de vida da população moradora e/ou trabalhadora da região. Além disso, tais intervenções pressupõem a remoção de milhares de famílias, algumas já instaladas em situações precárias de moradia, sem haver, entretanto, qualquer projeto de destinação para estas famílias. Verifica-se que o viés negativo, como já é de praxe, incidirá sobre o elo mais fraco da corrente social.

É lamentável perceber que com o pretexto do suposto desenvolvimento que toda a nova infraestrutura trará para a região, será priorizada a realização de negócios milionários que beneficiarão a um seleto grupo em detrimento de melhorias efetivas na vida da população moradora. O megaevento vem dando margem para que processos pouco transparentes e decisões atropeladas, impostas pelo curto prazo, sejam encaminhadas.

O desenvolvimento do trabalho partiu do envolvimento e do debate com a população moradora, através da participação em organizações atuantes em Itaquera e na Zona Leste. Por meio destas, a população interessada e preocupada tem se organizado e cobrado informações do poder público. Dentre outras limitações, a população em geral, e particularmente aquela alvo das remoções, carece de pleno conhecimento dos seus direitos em meio ao contexto atual de novas intervenções.

Inicialmente foram buscados dados populacionais, domiciliares, construtivos, de perfis de renda e empregatício relativos à situação atual de região. Com a caracterização da região na sua atualidade, viu-se necessário o entendimento do caminho histórico percorrido até sua formação, particularmente daquele percorrido pela marcante informalidade presente nos distritos estudados. De posse de um panorama passado e presente, partiu-se para o entendimento do significado teórico e prático dos novos investimentos previstos para a região no contexto da Copa do Mundo de 2014.

Do ponto de vista prático, o trabalho envolveu a obtenção do material contendo os projetos previstos para a região em estudo diretamente do poder público, pela participação em apresentações públicas, audiências e visitas às Secretarias envolvidas. Tais projetos não foram em sua maioria amplamente divulgados até o momento, por esse motivo trata-se de uma compilação inédita e ao mesmo tempo de suma importância para a organização da população diretamente atingida pelas novas intervenções na busca pelos seus direitos. Ao lançar as propostas sobre a situação atual foram obtidas as favelas atingidas e o número de famílias cujo reassentamento seria necessário.

Considerando todo o contexto apresentado ao longo do trabalho – que inclui descaso com a situação precária de vida da população moradora das favelas, retenção da informação, prevalência dos interesses de mercado sobre os interesses comuns e violação do direito à moradia, o trabalho caminhou no sentido de elaborar alternativas para as remoções. Nesta tentativa, foram levantados terrenos para provimento habitacional e elaboradas diretrizes de reassentamento, que garantam mais do que a moradia, a urbanidade necessária para uma vida de qualidade.

O desafio de elaborar diretrizes de reassentamento adequadas vem com o objetivo de experimentar a possibilidade de “fazer como poderia ser feito” pelas autoridades. Sua preparação mostrará que há maneiras alternativas de encaminhar o tratamento dos moradores menos favorecidos em uma situação de megaeventos sem que seja necessário o deslocamento destes para regiões cada vez mais longínquas de seu contexto de vida, de educação e de emprego.

No caso de Itaquera as intervenções propostas englobam basicamente, como é padrão na cidade de São Paulo, obras viárias. Está previsto também o Parque Linear do Rio Verde, que até a Copa deverá ter menos de 50% de sua área total implantada. O Pólo Institucional e Tecnológico de Itaquera, uma proposta já em construção, está sendo instalado sobre terreno de propriedade original da COHAB, sem que nem ao menos uma moradia seja erguida em seus milhares de metros quadrados. A completa desatenção com a questão da moradia foi o motivo inicial do desenvolvimento deste trabalho. Enquanto as intervenções “pipocam” cada vez mais na mídia e as remoções são anunciadas, nenhum provimento habitacional foi divulgado.

A conclusão do trabalho, comprovada quantitativamente e qualitativamente, é que é possível propor alternativas que dêem a devida atenção à questão da moradia. Itaquera é uma região ainda dotada de áreas vazias, diferente de regiões mais centrais da cidade de São Paulo, por exemplo. Muitos desses terrenos estão delimitados como ZEIS e/ou são áreas municipais, possuindo todo o aparato legislativo para concretização de habitações para a classe menos favorecida.

No estudo de caso do terreno vago 2, inclusive, a área de intervenção foi ampliada para além do terreno inicial, devido à necessidade de reestruturação urbana que uma região carente como a área de estudo possui. Foi proposto, assim, um plano urbanístico abrangente, que, além de abrigar uma parcela dos removidos pelas obras da Copa, abriga também todos os moradores pré-existentes, mesmo após toda a reestruturação urbana proposta.

Por fim, alternativas para se realizar um megaevento mais digno em Itaquera existem. Mas ainda há muito o que caminhar para que se possa dizer que a Copa do Mundo de fato é nossa.

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