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secao 4!

INVENTÁRIO:

ilustrações de Dino Buzzati, Julio Cortázar e Franz Kafka

Keyla Lumy Nakayama

Artur Rozestraten

A hipótese de que a imagem possui sempre uma relação direta, mesmo que inconsciente, com uma história, sempre me cativou: a associação entre memória e imagem me parecia ser a razão pela qual a fotografia instiga tantas pessoas. Ela fascina ao despertar a sensibilidade do espectador. Apreciar uma fotografia me parecia ser um tipo de exercício mental e intuitivo de reconstituição, uma conexão com alguma lembrança pessoal.

A primeira fase desse Trabalho Final de Graduação consistiu em pesquisa sobre os elementos que influenciam na formação de imagens na mente humana e associá-los com a prática fotográfica. Então, reuni as obras mais pertinentes sobre este tema, de autores essenciais para o estudo da teoria da fotografia, e elegi alguns pontos que nortearam o andamento da primeira metade deste TFG: a fotografia como parte de uma antologia de imagens pessoal, de Susan Sontag; a ideologia das lentes, de Arlindo Machado; a interferência na significação da fotografia, de Roland Barthes; a imagem-relicário, de Boris Kossoy; e a autoria e a técnica na fotografia moderna, de Helouise Costa e Renato S. da Silva.

Apesar de este TFG ter sido iniciado por uma inclinação à pesquisa exclusivamente teórica, me pareceu benéfico que eu fizesse algum tipo de atividade fotográfica, em busca de maior compreensão. Escolhi ilustrar o conto Carta a uma Senhorita em Paris, de Júlio Cortázar, através puramente da fotografia digital.

Neste ensaio fotográfico, tentei explorar as capacidades da máquina digital em sintonia com os conhecimentos adquiridos com o estudo da fotografia modernista. Portanto, a construção de cenários me parecia de importância relevante, mas como algo inoportuno para o tema inicial. Minha intenção era explorar os limites da câmera digital, assim como os pioneiros da fotografia moderna brasileira conseguiram ultrapassar as fronteiras da fotografia de sua época, através de fotogramas e técnicas inovadoras de manejo da máquina.

Supus que era necessária a execução de outros ensaios, sobre obras diferentes, para contemplar outras perspectivas da fotografia. Portanto, decidi dividir o TFG em duas partes, alterando o interesse inicial de mantê-lo teórico. A segunda metade do TFG seria preponderantemente prática: escolhi outros três contos de teor fantástico, assim como o primeiro: A Construção, de Franz Kafka; O Bicho Papão, de Dino Buzzati e Manual de Instruções, de Júlio Cortázar.

A leitura dos contos escolhidos acendeu motivações artísticas que ultrapassavam a máquina fotográfica e fez aflorar uma ânsia pelo cuidado com a construção de cenários e programação visual das impressões gráficas finalizadas. Houve uma inversão na ênfase dada aos elementos dos ensaios de acordo com o enredo de cada texto, por esse motivo criou-se um impasse: era nítido o desvio do percurso de pesquisa, e não conseguia encaixar o meu trabalho em nenhuma área de estudo que me propus a explorar.

Acredito que o rumo deste TFG foi desviado do estudo da fotografia para o estudo da imagem. Por apego ao pensamento modernista na fotografia, que a contempla em termos de autoria, exploração da máquina e transcendência formal do estilo clássico, tive dificuldade em aceitar os meus ensaios como uma forma de experimento fotográfico.

A Construção, escolhi obter as imagens através do uso do scanner; em O Bicho Papão, a ênfase constava na construção dos cenários; em Manual de Instruções, procurei explorar a materialidade do ensaio impresso. São textos singulares, cujas sensibilidades distintas requerem empenhos ímpares de interpretação de cada leitor.

Considero a produção destas três peças em referência a signos externos, codificados por características pessoais, portanto não se adequam ao campo da ilustração convencional. São imagens que não dependem dos textos que as originam, elas possuem significados que nasceram a partir de uma interpretação pessoal.

Em A Câmara Clara, Roland Barthes cria uma analogia entre espectador e a câmara clara, equipamento para pintura no qual o artista pode desenhar uma paisagem através do auxílio de raios luminosos projetados pelo aparelho, ou seja, o pintor age sobre a imagem, codificando-a. O espectador também age na significação da fotografia e altera seu sentido de acordo com a própria sensibilidade, ele se transforma da câmara clara ao criar uma narrativa a partir de uma fotografia.

Entendo a minha produção para este TFG como uma inversão da analogia de Barthes. Li os três contos, os codifiquei e produzi imagens. Adotei o papel da câmara clara ao dar um significado para cada um dos textos, seguindo meu próprio intelecto, memória e emoção.­ A partir de uma narrativa, uma história externa, produto da sensibilidade de outro alguém, produzi uma imagem.

Ainda não consegui estabelecer uma categoria artística na qual estes ensaios possam ser adaptados, também não cheguei às conclusões que me propus chegar no início deste trabalho, minha hipótese ainda carece de desenvolvimento de pesquisa. Porém, concluo este TFG sem nenhuma frustração. Conceber imagens baseadas em Dino Buzzati, Julio Cortázar e Franz Kafka se mostrou um processo complexo e exigente, um esforço que obrigatoriamente havia de ser proporcional á grandeza destes três autores. Alternei minha dedicação a eles, a estas três obras específicas.

Compreendo esses ensaios como artefatos de um pensamento individual, enredado a incentivos imaginativos particulares, que são frutos de experiências pessoais, inerentes a um conhecimento cultural de imagens. Uma antologia minha e somente minha, que me identifica, o meu inventário de imagens.

 

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