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secao 4!

São São Paulo

Luísa Amoroso Guardado

Luís Antônio Jorge

O trabalho propõe ilustrações tendo como objeto a cidade de São Paulo, estudada a partir do olhar de alguns de seus agentes: quatro artistas que, atuando em diferentes momentos do século XX, trazem a cidade como tema ou cenário de seus trabalhos. São eles: Mário de Andrade, Antônio de Alcântara Machado, Adoniran Barbosa e Itamar Assumpção.

O estudo, desenvolvido como Trabalho Final de Graduação do curso de arquitetura da FAU USP, teve como uma das primeiras motivações o enfoque sobre a desavença entre a São Paulo “cidade fragmentada, que aparenta não ser fruto da ordem, mas sim filha do caos, da competição mais selvagem e desgovernada de projetos individuais de ascensão ou sobrevivência, do sonho de gerações sucessivas de imigrantes que vieram em busca das oportunidades distantes e da potência da grande cidade” (ROLNIK, 2001) e a São Paulo poetizada através da palavra – seja lida ou cantada – que ganha o papel de musa para obras consagradas e emocionantes.

Os quatro artistas selecionados trazem São Paulo explicitamente em suas obras, descrevendo cenas concretas e espaços conhecidos, e assim trazendo o cotidiano e seus comentários, ou colocando a cidade abstrata, personificada, quase agente em seu próprio espaço. O objeto comum aparece de maneiras muito distintas em cada um deles, tanto pela diferença temporal entre os trabalhos, quanto pelas diferentes visões e propostas poéticas que apresentam. Manifestam-se, ainda, em diferentes formas de discurso poético: prosa, poesia e música.

A heterogeneidade de São Paulo, na maneira que se dá a ocupação em seu território, assim como na distribuição da sua infraestrutura urbana, pode ser aproximada do caráter plural da experiência dos seus personagens: “em uma cidade historicamente construída por correntes migratórias internas e externas, por uma urbanização e crescimento demográfico explosivos, por um amálgama de costumes conviventes nos mesmos espaços, indagar a presença persistente das representações de identidades ‘estrangeiras’ é uma forma de entendimento de uma relação singular entre espaço urbano e cultura. São Paulo pode ser vista como um mosaico de lembranças de outros lugares que cada imigrante ou cada grupo social trouxe como valor de cidade ou de urbanidade.” (JORGE, 2011)

Para Mário de Andrade (1893-1945) essa heterogeneidade da formação poderia ser simbolizada pelos retalhos que compõe a veste do arlequim, personagem do carnaval europeu reinterpretado na festa brasileira e protagonista recorrente nos poemas de Paulicéia Desvairada. “Pelos aspectos escolhidos para compor a Paulicéia Desvairada, notamos que se trata de uma leitura calcada no estranhamento que a cidade paulistana oferece ao relacionamento humano das suas correlações intrínsecas. O tecido urbano é flagrado pelo poeta, adquirindo sentido camuflado por modismos e imposições, comodismos e alienações. Mário de Andrade, a cada passo, desnuda essa cidade, mediante suas percepções, um Arlequim andarilho, que com travessuras atribui significado à cidade no seu aspecto contextual.” (NUNES, 2005).

Assim como Mário de Andrade, Antônio de Alcântara Machado foi uma figura próxima ao Movimento Moderno, trazendo a cidade de São Paulo em duas de suas três obras publicadas. A obra focalizada neste trabalho foi a coletânea de contos Laranja da China, que, diferentemente de Paulicéia Desvairada, coloca cenas cotidianas bastante concretas, vividas por tipos comuns que freqüentemente se deparam com a cidade, e experimentam diferentemente essa vivência. Ao longo dos contos Alcântara coloca o leitor em contato tanto com a cidade do desenvolvimento e da exaltação da modernidade quanto da precariedade das relações sociais e urbanas.

A cidade de relações cotidianas pode ser encontrada também nas obras do sambista Adoniran Barbosa (1912 – 1982). A São Paulo vista dos bairros operários, uma das primeiras periferias da cidade, coloca tanto a carência infraestrutural vivida diariamente quanto o encantamento com o “progresso” e as novas intervenções urbanísticas. Comédia ou tragédia são relatadas através do bom humor sempre presente, colocando em geral uma leitura leve mesmo frente a momentos de dificuldade.

Itamar Assumpção (1949 - 2003) foi em músico que cantou as “chuvas e trovoadas”, às quais é sujeito, e se colocou como um sujeito da cidade – em seus trabalhos a São Paulo parece impressa no corpo. “Sua música subsiste pela experiência do choque, que é de cada um de nós no desconforto da vida em São Paulo, inquieta a cada esquina, surpreendente em cada bairro, atordoante em todos os cantos.” (AMOROSO, 2002). As poesias não relatam cenas bem localizadas, mas trazem a cidade na escala total, junto aos arranjos que sobrepões vozes e instrumentos, compondo uma atmosfera que remete à velocidade e caoticidade, uma cidade quase surreal.

A experiência de abordar a cidade através de diferentes olhares, voltando-se para a produção cultural de diferentes períodos, permitiu a aproximação com personagens diversos e afastados daqueles que produzem e criticam o desenho da cidade e de suas construções diretamente, para perceber caso a caso como esses outros agentes interagem, atuam e também modificam o cenário de São Paulo.

A sensibilidade e leveza dos artistas, que vivenciam e poetam a “selva de pedras”, inspiram novas imagens e críticas, trazendo a possibilidade de uma contribuição dentro da arquitetura a partir de composições fora da disciplina. Os quatro artistas aqui abordados, recorrentemente tendo suas obras adjetivadas como “a cara de São Paulo”, imortalizaram seus períodos e suas propostas estéticas, também arquitetaram São Paulo e mostraram que a grande metrópole teve e tem várias caras.

As obras analisadas foram traduzidas em ilustrações, que colocam em primeiro plano a cidade de cada um dos artistas. O objeto final deste estudo é um conjunto de cinco cadernos, reunidos em uma caixa, sendo o primeiro um relatório que expõe os conceitos, a pesquisa e a análise sobre a cidade de cada um dos artistas, assim como a explicação dos partidos gráficos adotados; Os outros quatro cadernos são o produto principal do TFG, as ilustrações propostas como leitura gráfica da São Paulo a partir dos artistas que a homenagearam - reforçando interpretação da cidade de São Paulo como metrópole complexa e musa de tantas diferentes interpretações poéticas.

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