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secao 4!

Desenho, imaginário e percepção em arquitetura

Bhakta Krpa Das Santos

Luís Antonio Jorge

A princípio, este trabalho foi se formando segundo as questões que encontrei lendo as considerações de Peter Zumthor a respeito das chamadas "atmosferas". Estas questões, em síntese, correspondem ao entendimento do que constitui verdadeiramente a experiência espacial arquitetônica e em como se pode operar com suas representações, vinculado aos processos de descoberta, intuição e invenção que constituem prática projetual.

Trata-se, como vi em Zumthor, de uma orientação que se opõe ao caráter predominantemente formalista e objetivo da arquitetura — com o qual sempre me vi diante, pela minha própria prática projetual enquanto estudante —, em detrimento dos aspectos multidimensionais, multisensoriais e subjetivos que compreendem nossa percepção do mundo.

O significado das coisas, como veremos mais adiante, não está contido nas coisas em si, mas na consciência do sujeito que passa pela experiência pessoal, sendo sempre um ato genuíno de introspecção. A força emocional está portanto, nas imagens transmitidas pelas coisas e não nas coisas mesmas.

Daí que é especialmente compreensível que Zumthor inicie suas considerações sobre o que é para a ele a qualidade arquitetônica, sobre o que ele persegue enquanto arquiteto, com uma série de imagens — visuais, sonoras e escritas — e não necessariamente com obras de arquitetura. Nas arquiteturas representadas em outros campos das artes, há um material fecundo para o entendimento fenomenológico da arquitetura, pois, nestes campos, ela aparece como pura observação daquele que experimenta, já que as regras e convenções da prática arquitetônica não estão atuando sobre o modo de representá-la, ou seja, a percepção do edifício prevalece sobre seus aspectos formais e funcionais — a "qualidade arquitetônica", não é, portanto, exclusiva do domínio da arquitetura, e podemos encontrá-la na literatura, no cinema, na fotografia, na pintura.

É este entendimento sobre arquitetura que considerei ao longo deste trabalho para, ao modo de Zumthor, constituir minhas próprias imagens, arquiteturas e atmosferas. Buscar uma ligação autêntica com a experiência arquitetônica, com a linguagem da arquitetura, e não só com as propriedades físicas da construção.

Desta primeira ideia frouxa de uma fenomenologia da arquitetura, cheguei aos textos de Merleau-Ponty (1908-1961), que indicaram caminhos para a compreensão de um "puro olhar", e de como se dá a relação entre percepção e conhecimento, entre o sujeito e o mundo sensível. Já em Pedro Janeiro, as questões próprias da fenomenologia e do desenho estão entrelaçadas em um processo no qual percepção e criação se alimentam mutuamente. Estes três autores — Zumthor, Merleau-Ponty e Pedro Janeiro, formam um primeiro núcleo de interesse, voltado à percepção e às qualidades próprias desta experiência, que são o objeto dos desenhos que tenho produzido.

A partir daí, me detive em segundo núcleo de temas, mais ligados à estrutura pela qual pretendo operar. Desta maneira, me detive sobre algumas passagens presentes em Arlindo Machado, que, no seu desmonte da concepção de representação como "espelho da realidade", confere àquele-que-representa, um fazer que, não desconsiderando as particularidades dos meios que refratam a imagem, indica possibilidades de lidar com as representações segundo a opacidade das mesmas.

Em seguida, a oposição entre um pensamento objetivo e lógico e um subjetivo e analógico foi desenvolvida a partir do texto de Paul Valéry acerca do "método leonardiano", fundado no não-verbal, no icônico, e considerando Leonardo da Vinci um verdadeiro filósofo, cujo pensamento operaria através das imagens. Décio Pignatari aproxima estas questões de alguns princípios da semiótica peirciana, onde o pensamento icônico, analógico, adquire a dimensão que Valéry indicava.

Por último, no texto de Eisenstein, as noções de "conflito" e "discurso interior", relacionam processos muito próximos do chamado pensamento icônico, reconhecendo esta característica na poesia e na escrita orientais, e interpretando-a junto às questões próprias do cinema, pelas relações entre as unidades mínimas da montagem — o plano cinematográfico, na chamada montagem intelectual.

As leituras destes textos seguem acompanhadas dos desenhos que fiz, reproduzidos página à página, sempre à direita, sem correspondência intencional com o texto, mas seguindo como duas linhas de mesmo vetor.

Os desenhos aparecem sempre em mais de um quadro (como os fotogramas no cinema), pois minha intenção é explorar as relações de sequência, simultaneidade, analogia, diferença, síntese, duração, permanência, passagem, exclusão, mudança, movimento. Muitas destas relações são próprias das linguagens que consideram o tempo em sua feitura. Pretendi, a partir disso, estabelecer vínculos com alguns procedimentos próprios do cinema, sobretudo das ideias de conflito em Eisenstein.

Para concluir, uma última observação — não pretendi, neste trabalho, costurar uma teoria coesa onde todos os autores tenham o seu lugar definido dentro de um processo lógico e encadeado, que explicasse totalmente minhas intenções com os desenhos. Antes disso, poderia dizer que este trabalho se constituiu pelo meu encontro com textos diversos, com problemas e profundidades diversas. Digamos que há mais um princípio de similaridade do que de contiguidade regendo a organização dos tópicos. Me pergunto se as dúvidas pessoais de Peter Zumthor resistem diante da densidade do pensamento de Merleau-Ponty. Ao menos, um desejo é comum a todos os textos que compõe este trabalho — todos partem de um mesmo interesse pelo conhecimento bruto, pelo contato direto com as coisas, seja refletindo sobre a experiência arquitetônica, sobre a própria percepção, sobre o desenho enquanto percepção, sobre a representação além da convenção objetiva e naturalista e, finalmente, pelo pensamento além da linguagem verbal, um pensamento que opera através de "imagens".

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