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secao 4!

Políticas urbanas e o Estado de exceção:

Zona Leste e a Copa do Mundo em Itaquera como estudo de caso

Carolina Geise

Maria Camila Loffredo D’Ottaviano

“Pedimos, por favor, não achem natural o que muito se repete!”
(B. Brecht, A exceção e a regra)

A Copa do Mundo de Futebol FIFA 2014 a ser realizada no Brasil não é um mero evento esportivo: hoje megaeventos como a Copa e os Jogos Olímpicos são também uma forma de gestão da cidade, a expressão de ideais contemporâneos e do papel da ideologia e do discurso no planejamento estratégico. Aproveitando-se do imaginário atiçado pelo esporte, que remete à superação de limites, à consolidação de identidades nacionais, à busca por emoção controlada, dentre outros, direitos e processos democráticos de decisão são atropelados e abusos são cometidos. Esse trabalho visa desconstruir alguns dos discursos mais recorrentes sobre o legado da Copa do Mundo e analisar a forma como o Mundial está sendo gerido em Itaquera, através da viabilização economica da Arena São Paulo, palco da abertura do Mundial da FIFA e empreendimento privado pertencente ao Sport Club Corinthians em parceria com a construtora Odebrecht, que conta com pesado financiamento público e cujo malabarismo financeiro aponta para a confluência de interesses envolvidos em sua construção. O objetivo principal por trás da pesquisa é dar um primeiro passo para compreender o que é a governança urbana e de que forma seus atores constroem a cidade e tecem suas relações.

Os temas aqui levantados foram trabalhados a partir da análise das políticas públicas implantadas na cidade de São Paulo, mais especificamente na Zona Leste do Município e na região de Itaquera, cujo marco considerado foi a instituição do Plano Diretor Estratégico de São Paulo, em 2002. A escolha se deu pela circunstância peculiar em que se encontra essa área: retrata a periferia autoconstruída e excluída, que cresceu nos anos 1950 durante o surto industrial do município e, nas décadas de 1970 e 1980, consolidou as franjas urbanas como locus da população de baixa renda, através da promoção de grandes conjuntos habitacionais pelo poder público. Porém, um novo contexto está mudando radicalmente o cenário desse território antes marginalizado: o anúncio da Copa do Mundo FIFA 2014 no Brasil e a abertura do evento no novo estádio do Corinthians, em Itaquera. Os olhos do mercado imobiliário se voltaram para a região e as disputas pelo espaço mudaram de forma e escala, enquanto o prazo e conseqüente senso de urgência exacerbam as transformações.

O trabalho orbita em torno de reflexões teoricas trabalhadas a partir de textos de Carlos Vainer e David Harvey, visando situá-los na realidade paulistana. Abordam a compreensão do planejamento estratégico apoiada sobre três analogias: a cidade como mercadoria, a cidade como empresa e a cidade como pátria. Juntos, constroem o que Vainer chama de cidade de exceção, caso em que o desrespeito à lei torna-se legalmente aceito e autorizado pela própria lei, sob a justificativa da necessidade de responder rapidamente à demanda criada por uma exceção, como a Copa do Mundo (Vainer, 2010).

Megaeventos tornaram-se uma estratégia das governanças urbanas para atrair investimentos e atenção às cidades onde estes se realizam, apoiados por um novo padrão discursivo, cuja retórica anuncia a convergência de interesses públicos e privados. Em um contexto onde as cidades competem por recursos e reconhecimento de sua posição global, megaeventos como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos são justificados como alavancas para um novo patamar de destaque e redefinição da sua imagem no cenário mundial, levando ainda à dinamização da economia ao atrair a atenção do capital globalizado. Enquanto os lucros e benefícios são canalizados para o capital privado das grandes empresas vinculadas aos eventos, seu financiamento é quase sempre realizado por instituições públicas. É a máxima neoliberal: gastos compartilhados, lucros concentrados.

O discurso do legado justifica a maciça participação pública para a realização de megaeventos, que no caso do Brasil apela ao orgulho nacional do país do futebol, da hospitalidade e da festa, deixando promessas vazias e planos descompromissados que não encaram as questões mais urgentes que assolam o país, que sofre com uma brutal desigualdade social. O presente trabalho visa identificar o que é discurso e de que forma ele se relaciona com a realidade, o que é apenas promessa e o que de fato se desdobrará em benefícios concretos.

O trabalho procura, finalmente, verificar o que Agamben chama de estado de exceção, ao comprovar que
“práticas inicialmente apresentadas como medidas ligadas a acontecimentos excepcionais, reservadas a situações limitadas no tempo e no espaço, tornam-se regra.” (Agamben, 2004)

A maleabilidade que o campo do direito adquiriu toma forma institucionalizada com as Medidas Provisórias e as leis criadas especificamente para os megaeventos. A pressão de órgãos externos como a FIFA e o COI se sobrepõe à soberania nacional ao exigir condições especiais independentes da regulamentação vigente.

Como considerações finais verifica os impactos das ações analisadas no território e na sociedade. Itaquera é historicamente uma região ocupada pela população de baixa renda, isolada dos principais polos (econômicos, culturais, educacionais, etc) da cidade e para quem os direitos e a justiça nem sempre se aplicam de forma plena . Grandes projetos urbanos que transformam bruscamente a realidade construída do local e promovem repentino valor especulativo trazem à tona as desigualdades sociais e tornam a região uma zona de disputas por interesses divergentes. Por um lado, os antigos moradores buscando a manutenção de seu espaço na cidade e, por outro, o mercado imobiliário avançando em novas áreas com potencial de valorização.

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