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secao 4!

O Caso Prestes Maia:

no contexto da luta pelo cumprimento da função social da propriedade urbana

Daniela Perre Rodrigues

Ana Cláudia Castilho Barone

Diante do desordenado crescimento das cidades brasileiras e da expansão de suas áreas periféricas carentes de infra-estrutura urbana, apenas uma minoria da população tem acesso à moradia, transporte, saúde, educação, espaços públicos, enfim, acesso à cidade. Esse processo tem sido estimulado pelo mercado imobiliário e consentido pelo poder público. Dessa maneira, o atual cenário é de grande exclusão social, de cidades produzidas como espaço da minoria e da ilegalidade atingindo a maior parte da população, que vive sob essa constante segregação social e espacial.

Não parece ser por falta de leis reguladoras que essa situação se mantém e se agrava. A legislação urbanística brasileira, considerada muito avançada por diversos autores, entre eles o jurista Edésio Fernandes, pressupõe políticas públicas que viabilizem e fiscalizem sua aplicação. Entretanto, há uma prática constante em nosso país de se aplicar a lei de acordo com as circunstâncias, tornando a legislação ineficaz quando contraria fortes interesses ou quando o assunto são direitos sociais.

[...] a lei é importante, mas não basta. Sua aplicação também passa pela correlação de forças especialmente em países como o Brasil no qual o poder político, patrimônio e poder econômico se confundem.

Sendo assim, as precárias condições urbanísticas em que vivemos não parecem ser decorrentes da falta de planejamento ou da omissão do poder público. Pelo contrário, são fruto de um pacto político-econômico que ordena, de acordo com os interesses daqueles que detém o poder, o desenvolvimento das cidades.

As tragédias que atingem as cidades freqüentemente, como enchentes, deslizamentos, crescimentos das favelas, poluição, enfim, participam do cotidiano da sociedade sem que ela se dê conta de que o fio que liga todos esses fatos está na base do processo de crescimento urbano brasileiro.

O direito privado de propriedade, com as suas raízes muito firmes em cinco séculos de formação da sociedade brasileira, pode conduzir ao favorecimento dos interesses particulares dos proprietários de terra, em detrimento dos interesses coletivos. Esse conflito de interesses delineia a produção das cidades e pode se configurar como um impedimento à efetivação do direito à moradia e à cidade.

Cidades que são a representação espacial de uma sociedade cindida, herdeira da lógica escravocrata, onde as elites exercem uma hegemonia onipotente, e utilizam-se do Estado e da Justiça para quase sempre passar para trás o bem coletivo, garantindo seus interesses particulares.

Por muito tempo, a propriedade da terra foi fundamentada no patrimônio individual, com direito assegurado a um indivíduo de destiná-la ao fim que lhe parecesse melhor; entretanto, essa abordagem foi evoluindo no sentido dos deveres do proprietário em relação ao coletivo, sofrendo uma demorada redefinição.

art. 182 §2º
A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor.

Esse trabalho pretende justamente discutir essa redefinição do direito de propriedade e sua subordinação legal ao cumprimento de uma função social, e analisar a contradição entre esses avanços jurídicos e a aplicação deles através de ações municipais.

[...] aquilo que se festeja hoje como um salto de modernidade, a formação de cidades guiadas pela exclusão social, o consumo exacerbado e a defesa incondicional da propriedade, é na verdade um caminho inexorável para a barbárie. É hora do Brasil se organizar para uma verdadeira rebelião cívica urbana, para deixar às futuras gerações cidades verdadeiramente democráticas e socialmente justas.

Para isso, o trabalho foi composto por três capítulos. O primeiro versa sobre a luta pela Reforma Urbana, contexto esse em que se estabeleceu a Constituição de 1988 e o Estatuto da Cidade. O segundo pretende introduzir questões sobre as contradições existentes entre o estatuto jurídico conquistado e as ações do poder público municipal. O terceiro capítulo consiste em um estudo sobre o caso do Edifício Prestes Maia, que já foi ocupado três vezes por movimentos de moradia nos últimos 10 anos, e o direito à propriedade privada daquele imóvel continua sendo absoluto e mais protegido do que o direito à moradia.

Por fim, trazemos um capítulo anexo que consiste em uma revisão bibliográfica sobre a construção da estrutura fundiária no Brasil, realizada através da leitura de diversos autores que abordaram este assunto.

Esse estudo foi realizado fundamentalmente a partir de dois tipos de materiais: as teses acadêmicas que já estudaram o assunto e as notícias de jornais publicadas na mídia nesse período de 2002 até os dias de hoje.

O caso estudado nos permitiu uma possível interpretação da história do Prestes Maia. História essa que consideramos emblemática por estar inserida em um conjunto generalizado de ações do capital imobiliário, apoiadas pelo poder público, que têm condenado o destino das cidades e de seus habitantes.

Acreditamos na importância do resgate dessa história, pois a disputa pela apropriação da terra tem se dado de forma extremamente violenta, em função dos projetos de infraestrutura, dos megaeventos, enfim, depois aquele território se transforma e ninguém sabe mais o que aconteceu, a história vira outra.

Após 30 anos de lutas sociais nas quais a questão principal era os direitos, estes continuam sendo violados. O destino das cidades vem sendo traçado sem a superação de questões históricas, como o problema da terra urbana.

Este trabalho espera ter contribuído para uma leitura crítica a respeito da política urbana no município de São Paulo e do progresso atribuído às conquistas decorrentes da luta pela Reforma Urbana.

 

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