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secao 4!

PERMANÊNCIAS -

memória e espaço dos descendentes de japoneses

Denise Tiemi Yui

Luis Antônio Jorge

“São Paulo pode ser vista como um mosaico de lembranças de outros lugares que cada imigrante ou grupo social trouxe como valor de cidade ou de urbanidade. Memórias de outros lugares e memórias do que já fora destruído nutrem os valores desta cidade que é concreta, mas é, também, representação de outras cidades e culturas.” (Luis Antônio Jorge)

Heichu e Kokiko Yui, meus bisavós, vieram do Japão em Dezembro de 1926. Meu avô Massao já nasceu aqui no Brasil, mas foi registrado também no Japão, hábito comum entre os japoneses, devido à intenção de retornar às terras de origem da família. Minha avó Mitiko, também nascida aqui, perdeu a mãe muito cedo e foi criada pelas irmãs mais velhas e pelo pai trabalhador. O casamento dos meus avós foi arranjado, e minha avó, mesmo estando envolvida em outro relacionamento, obedeceu à vontade do pai. Foi então morar junto com a família do meu avô, onde viveu situações de extremo autoritarismo, tanto da parte do marido quanto da sogra. Assim montou-se uma estrutura familiar típica japonesa no interior de São Paulo.

Ao visitar o Japão há 3 anos, me deparei com um impasse sobre a minha identidade. O comportamento dos japoneses é tão diferente do brasileiro, que o fato de eu ter ascendência japonesa não tornou nada significativamente mais familiar para mim, e não bastou para que eu me sentisse incluída naquela realidade. Minha experiência de estranhamento deve ter sido semelhante à de qualquer ocidental que se depara com uma cultura tão diferente.

Meu trabalho volta-se assim para o sincretismo cultural que se observa na comunidade japonesa no Brasil, na tentativa de refletir sobre a memória num espaço que comporta distintas maneiras de viver, e que se associam fortemente a uma identidade que não é única, do que é ser brasileiro.

“A conversa de um velho é sempre uma experiência profunda: repassada de nostalgia, revolta, resignação pelo desfiguramento das paisagens caras, pela desaparição de entes amados, é semelhante a uma obra de arte. Para quem sabe ouvi-la, é desalienadora, pois contrasta a riqueza e a potencialidade do homem criador de uma cultura com a miséria do consumidor atual” (Ecléa Bosi, Memória e Sociedade - Lembranças de Velhos)

Para me aproximar do tema do trabalho, fui atrás de relatos de pessoas na faixa dos setenta anos ou mais. Realizei dez entrevistas, sendo que duas delas contaram com a participação dos respectivos cônjuges, e em uma delas o casal foi entrevistado simultâneamente desde o início. Ao todo, foram treze pessoas: três isseis (japoneses residentes no Brasil), nove nisseis (filhos de japoneses) e um nissei pela família do pai e sansei (terceira geração) pela família da mãe. Todos os entrevistados moram atualmente na cidade de São Paulo, com excessão da Sra. Isaltina que reside em Santos. Todos eles me receberam em suas casas e contaram suas histórias. Acredito que os relatos ouvidos dizem respeito à memória dos imigrantes japoneses de uma maneira geral, e compõem algum entendimento da cidade de São Paulo.

“A casa, como o fogo, como a água, nos permitirá evocar (...), luzes fugídias de devaneio que iluminam a síntese do imemorial com a lembrança. Nessa região longínqua, memória e imaginação não se deixam dissociar. Ambas trabalham para o seu aprofundamento mútuo. Ambas constituem, na ordem dos valores, uma união da lembrança com a imagem. Assim, a casa não vive somente o dia-a-dia, no fio de uma história, na narrativa de nossa história. Pelos sonhos, as diversas moradas de nossa vida se interpenetram e guardam os tesouros dos dias antigos. (...) As lembranças do mundo exterior nunca terão a mesma tonalidade das lembranças da casa... Evocando as lembranças da casa, acrescentamos valores de sonho; nunca somos verdadeiros historiadores, somos sempre um pouco poetas e nossa emoção traduz apenas, quem sabe, a poesia perdida.” (BACHLARD, 1978)

Para Bachelard, a casa é uma das maiores forças de integração para os pensamentos, as lembranças e os sonhos do homem. Pensando na casa como potencializadora da memória e da intimidade, quis que cada pessoa fosse entrevistada em sua própria casa. Filmei cômodos e objetos, sempre sem interferir na disposição das coisas, a fim de remeter a intimidade dos personagens, e também numa busca por nuances de uma cultura outra que não é a japonesa nem a brasileira.

O resultado dessa experiência é um vídeo que propõe uma busca pela identidade dos descendentes japoneses partindo de como eles mesmo se vêem. Uma identidade resultante de deslocamentos, tensões sociais e étnicas, e de vínculos de comunidade. Não é um trabalho conclusivo, o que eu exponho aqui são indícios de uma cultura híbrida.

 

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