memória e desenho da cidade
Diogo Cavallari Bella
Luís Antônio Jorge
Apresentação
O trabalho consiste no desenho urbano de uma área contínua ao centro histórico de Itanhaém, localizada entre a ferrovia desativada e a margem direita do Rio Itanhaém, histórico local de atracadouro das embarcações de pesca do município. O projeto parte da pesca artesanal caiçara como a atividade irradiadora do desenho urbano e dos programas propostos.
Assim, propõe-se a criação de um porto fluvial que se projeta para dentro do continente, trazendo o rio e as atividades relacionadas à água para dentro da cidade e estabelecendo um elo entre os dois grandes elementos que contam a história da cidade: o rio e a antiga vila colonial.
O projeto urbano se insere no que hoje são as costas da cidade encaixando-se no existente e propondo novas frentes para a água - margens criadas - ao longo das quais são propostos terminal de transporte hidroviário, marina, núcleo de pesca artesanal , habitações, museu e Universidade Pública.
O trabalho propõe um desenho de cidade condizente com o que a cidade tem de legítimo: a cultura marítima. A história local torna-se matéria-prima para o projeto, não com o objetivo de se resgatar memórias, mas entendendo o passado como presente histórico, cultura em construção.
Introdução
Falar em memória pode, por vezes, trazer a noção equívoca de um produto acabado, uma instância voltada para o passado, no entanto, segundo o professor Ulpiano Bezerra de Meneses é importante associar a memória à ideia de processo, imaginando-a como relação dinâmica entre passado e presente.
A memória é o meio de transmissão da cultura entre as gerações e, portanto, é resultado do trabalho do homem na criação de seus sistemas simbólicos e do ambiente em que vive, os quais está continuamente transformando. Nesse processo, são atribuídos valores, sentidos e funções às construções humanas e, desse modo, objetos, artefatos, modos de fazer e diversas formas de expressão da cultura são transformados em bens, ou seja, patrimônio.
É condição necessária do patrimônio que ele seja preservado, para que tenhamos pontos de contato do presente com o passado, necessários à construção de novas memórias e identidades. Porém, a questão da preservação é mais complexa, pois é necessário determinar o que será levado adiante. Isso porque “os bens não são simplesmente legados de uma geração para outra (...), eles chegam às gerações sucessivas como herança(...), mas sua persistência no tempo resulta de ações e interpretações que partem do presente em direção ao passado”. A preservação deve, então, ser pensada como trabalho transformador e seletivo de lembrança e esquecimento.
Preservar a memória pressupõe um processo de construção do presente, feito não pelo memorialista, mas pelo indivíduo capaz de agir. Daí o papel do museu: registrar uma memória para que esta sirva como informação para uma ação futura. Informar para agir, essa é a função da memória.
A arquitetura, então, como forma de ação, se vale da memória como algo que pode ser estimulado para uma criação futura e, nesse caso, o que foi herdado pode se tornar fator indispensável e muito significativo para a mudança, para o projeto, para a construção da cidade.
O presente trabalho foi desenvolvido em Itanhaém, município do litoral sul de São Paulo, cidade em que eu vivia antes de iniciar o curso de Arquitetura.
A cidade abriga em seu centro histórico um dos únicos vestígios da passagem do colonizador português na região, registro de uma época em que se processava intenso confronto cultural entre o europeu e o índio.
Desse processo, originou-se a população caiçara, cuja cultura tem grande importância para este trabalho. Em especial a pesca, tradição que persistiu através dos séculos e que detém saberes específicos em diversas frentes: na construção de barcos, na captura, no preparo do peixe.
Entende-se aqui a tradição também como processo, levado a cabo por homens, que são por natureza “seres incompletos, inacabados, projeto em construção”. Comecemos pelo homem.
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