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secao 4!

Janela, fotografia e cidade

Julia Paccola Ferreira Nogueira

Luís Antônio Jorge

O trabalho teve como ponto de partida a vontade de reconhecer a cidade como território do arquiteto. Mas território não apenas como entorno para suas ações construtivas e sim território que estimula idéias, ou seja, ele abriga experiências vividas e memórias que irão ecoar involuntariamente em sua cabeça. A cidade tem, então, papel de personagem nas articulações da arquitetura anteriores ao processo do projeto. É responsável por estimular reflexões, dando instrumentos ao arquiteto.

Percorrer a cidade e verdadeiramente observá-la fez necessária a utilização de alguns meios de registro das experiências. Iniciei a elaboração de uma espécie de diário de bordo, no qual passei a anotar observações sobre a cidade, às vezes escrevendo textos, ou idéias para assuntos a serem aprofundados e pesquisados posteriormente. Desenhos e croquis também figuram nas páginas deste diário, ainda que em menor quantidade, às vezes como desenho de observação, desenhos mais subjetivos que ajudaram algumas percepções a respeito da cidade.

Numa primeira abordagem me interessava um modo de escrever pessoal, tendo como referência principal o livro Atmosferas, de Peter Zumthor. Neste livro ele associa livremente seus espaços vividos, sua casa de infância,por exemplo, a um modo de pensar a arquitetura. Os espaços vinculados às memórias de Zumthor não estão dissociados de seus espaços imaginados, seus espaços projetados. Não apenas a cidade é reconhecida como seu território de projeto, mas todo um universo de experiências, às quais ele é muito consciente.

A imersão no dia-a-dia transforma a cidade num lugar comum, deixamos de notar a singularidade de sua paisagem. Nesse ponto a fotografia se colocou como outra linguagem de registro para o trabalho. A efemeridade e espontaneidade da imagem fotográfica foram importantes para a apuração do olhar. Uma ferramenta de desconstrução do olhar acostumado, capaz de colocar a cidade em suspensão.

Deixei-me tomar pela surpresa por meio da fotografia, permitindo todo e qualquer tipo de registro. As pessoas e suas interações com o espaço da cidade, lugares e não ó lugares, cenas cotidianas e outras não tão usuais. Dessas imagens formou-se um pequeno recorte de um espaço próprio meu na cidade, de onde foi possível entender meus percursos, lugares mais visitados, bairros que me são mais comuns.

Paralelo a essa aproximação analítica da cidade de São Paulo, houve uma outra abordagem gráfica. Durante o primeiro semestre de trabalho, participei de um curso de xilogravura no SESC Pompéia. No curso houveram discussões sobre o trabalho de alguns artistas e principalmente a produção de gravuras a partir dos desenhos.

A geração da imagem da xilogravura parte da interpretação dos desenhos feitos a mão na madeira, de forma que ele seja visto como se espera quando for impresso. É como se precisássemos fazer um projeto deste desenho na madeira. Então aprende-se que desenhar sobre a madeira é o mesmo que escavar a luz. É preciso tirar matéria da madeira, deixar o vazio da luz para que a tinta toque apenas a superfície do que era traço no desenho. Durante a leitura do livro de Zumthor encontrei semelhante descrição.

Essa associação imediata entre xilogravura, arquitetura e janela me levaram à produção de algumas imagens de janelas representadas na linguagem xilográfica: o vazio da janela escavado na madeira. Também cortando o próprio vazio da janela no papel, deixando a gravura com o vazio de uma janela construída. O processo todo foi uma espécie de construção de janelas, ou ao menos de uma experiência de janela.

As abordagens dos textos produzidos giravam em torno das questões perceptívas da cidade, em especial às percepções à partir do olhar. Sendo a janela o signo da arquitetura a associar-se diretamente ao olho ó a janela como olho da arquitetura ó tomei-a como tema central do trabalho. A janela fez aflorar o problema que conduziu o raciocínio da escrita e da fotografia.

O primeiro capítulo desvendou a janela como território, uma busca pela janela própriamente dita e suas implicações para o desenho de um espaço e para a experiência do observador. Partindo da construção da janela num espaço e uma vez construída ela integra um lugar habitado, fazendo parte de lembranças habitadas. É uma abordagem da janela dentro de questões pertinentes à arquitetura.

No segundo capítulo estão os textos referentes à vivência real da cidade, fruto das experiências pessoais. Então as minhas janelas vividas passam a ser as personagens, as que consigo descrever e com as quais me relaciono. O texto elaborado é como a análise do meu território, o conhecimento real dele, território público da cidade e território íntimo da casa. Janelas da cidade e janelas da alma.

Ao penetrar de alguma maneira a experiência íntima da janela passo ao que seria o acontecimento, ou ainda a luta. Apresento três situações a partir das experiências de janelas, utilizando três personagens reconhecidas: a luz, a sombra e o corpo. A luz é um ser que passeia sobre as superfícies, quase a terceira dimensão da janela, que se exporta para as superfícies na forma de luz. A sombra, derivada da luz, mas que foge dela, elaborando uma perseguição plástica entre elas. E por fim com o corpo, aflorando a percepção sensorial que se tem num lugar. A experiência das sensações, os sentidos que a janela, a luz e a sombra provocam no ser.

As fotografias foram incorporando o trabalho como momentos de pausa do tempo, ou ainda as próprias janelas do trabalho. Quando a cidade se interrompe, surgem as janelas: interrupção das paredes, dos edifícios, as fendas e os vales da topografia. Então as imagens são os silêncios necessários na fala do texto.

A janela dentro da janela é o primeiro tema que aparece ó a fotografia do lado de dentro dos espaços. Depois mergulha na cidade, começando pela escuridão da noite e pela percepção da luz pontual. Como numa gradação de intimidades, da casa na penumbra ao primeiro vislumbre da cidade no escuro.

Ao adentrar a cidade com a fotografia, aparece o tema do movimento, os percursos pelas ruas, as viagens. Aparecem os ônibus, carros e a figura humana. E logo a fotografia emerge deste mergulho noturno saindo pelos túneis da cidade ­ó janelas escavadas ó para encontrar as janelas urbanas durante o dia: pontes, galerias, pilotis e as próprias ruas na topografia.

Para voltar ao tema da intimidade, a fotografia volta a uma escala do indivíduo. O homem na cidade, a solidão da multidão. E na solidão encontrar então uma espécie de abstração, a cidade se torna luz, sombra e textura, sem perspectiva, uma imagem verdadeiramente estática. Chegando ao tema das janelas que perderam suas paisagens.

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