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secao 4!

Preservação e Intervenção em áreas Portuárias:

Rio de Janeiro, Porto e Gênova

Mariana Martins de Oliveira

Beatriz Mugayar Kühl

Contraste. Quando cheguei ao Porto em 2010, com a pretensão de morar um ano naquela cidade, a primeira impressão foi esta. Uma cidade histórica, mas que também se projeta no cenário internacional. Vive abarrotada de turistas em qualquer época do ano.

O contraste está nesta dualidade entre histórico e pós-moderno, entre o antigo e o novo, a escala local e a escala mundial. Mas o contraste se completa de uma maneira muito entristecedora pela dualidade entre patrimônio preservado e patrimônio em ruínas.

Também há contraste na experiência urbana que as cidades europeias proporcionam. As nossas cidades não são iguais. As construímos de forma distinta. A escala das edificações, a maneira como os edifícios se relacionam com a rua, nem mesmo a luz salva-se de uma comparação. A luz de São Paulo não é a mesma que a do Porto. E São Paulo, no fim, é sempre a referência de comparação de um paulista, na mesma medida em que a FAUUSP é sempre a referência para comparar com outras escolas de arquitetura para alguém que seja seu aluno. Acho importante destacar essa referência porque foi com São Paulo que aprendi a import‰ncia do centro histórico, dos conjuntos urbanos, da preservação das cidades. São Paulo foi meu objeto de estudo durante a iniciação científica, e, portanto, o primeiro caso urbano com o qual entrei em contato.

A cidade do Porto me introduziu a novas preocupações. Uma cidade diferente tem também outra ordem de questões a serem pensadas. Além dos problemas de dispersão urbana, a questão da ruína dos conjuntos urbanos do centro histórico do Porto, o encortiçamento e também ruína dos edifícios da Ribeira e as novas construções no restante da cidade levam a um constante questionamento: por quê? Por que era possível tal destruição em uma cidade que tem a identidade urbana e histórica como grande chamariz, uma cidade com dinheiro para investir em novas estruturas, que recebe um grande número de turistas. Gruas se acumulam por todo centro histórico. Só sobrarão cascas. Os interiores de quadras são aos poucos abertos, destruídos e ficam somente as fachadas dos edifícios: cenários.

Ainda na Europa, visitei outras cidades diversas. Em Barcelona, toda a reformulação urbana me fez repensar o Rio de Janeiro. Como seria o Rio depois que os jogos olímpicos tivessem ocorrido. Seria estruturado como aquela cidade? Nas cidades italianas, uma nova experiência, de cidades preservadas na íntegra, sem dó de as manter exatamente como eram. Siena, por exemplo.

E dentre todas as cidades italianas com seu patrimônio tão preservado e destacado naturalmente pelo desenho urbano, eis que Gênova surge como um caso completamente surpreendente, contrário às expectativas, deveras chocante. Sua grande área portuária, o pedestre suprimido das estruturas urbanas, a orla completamente desestruturada para o pedestre, exceto no Porto Antigo onde despontam novos grandes projetos de apelo cultural, mas inacessíveis à população local pelos preços. O centro histórico que deveria ser o local de aproximação com o pedestre é escuro, triste, assustador: não se sabe em que rua é seguro virar. O histórico esconde-se por detrás da grande estrutura da Sopraelevata Aldo Moro e não fosse a vista que a geografia proporciona de uma cidade dependurada na inclinação entre mar e montanha, Gênova não teria qualquer beleza.

Voltei para o Porto com a impressão de que havia algo em comum entre essas cidades. Elas tinham o mesmo tipo de centro histórico, conectado a antigas estruturas portuárias e pareciam tentar estruturar-se através de novos edifícios modernos, desprendidos da tradição arquitetônica local. Gênova levou-me a pensar que o Porto poderia se tornar aquela cidade se continuasse no mesmo ritmo de devastação e ruína, ou de construção de novas estruturas desvinculadas das antigas.

Já no Brasil, a imagem da memória dessas cidades perdendo-se voltou comigo. Eu não podia deixar de perceber similaridades entre a situação urbana de Porto, Gênova e o Rio de Janeiro. Uma velha cidade sendo substituída por uma nova a um custo muito elevado de destruir a cultura local, as tradições, a identidade das populações que compõe esses espaços urbanos.

Foi assim que a proposta deste trabalho se compôs.

Estruturalmente este trabalho foi dividido em uma primeira parte que trata de alguns aspectos históricos da formação das cidades em estudo e que serão posteriormente relevantes, bem como os últimos projetos concluídos ou não para as cidades em questão; a segunda parte tratará da análise direta dos planos diretores: sua estrutura, sua maneira particular de lidar com algumas temáticas específicas como o zoneamento a caracterização da paisagem das cidades, o turismo urbano e finalmente, a preservação; a terceira parte conclui os estudos das três cidades levantando algumas hipóteses sobre sua situação atual e sobre de que maneira e com que intensidade os planos interferem sobre a estrutura histórica dos centros e antigas áreas portuárias.

Após debruçar-me sobre o planejamento das três cidades envolvidas nesse trabalho, conduzida por vasta teoria, este trabalho faz diversas observações a respeito dos acertos ou falhas dos planos diretores em relação à questão do patrimônio histórico. Conclui que os limites entre o que pode, o que não pode e o que deve ou não deve ser feito com o patrimônio histórico das cidades é muito sensível. Para além disso, manter as tradições e a cultura presente nesses espaços tem um significado ainda maior. A materialidade sem a urbanidade promovida pelos usuários do espaço, pela cultura e tradição local, são apenas cascas vazias, conchas a espera de um conteúdo, um símbolo sem o seu significante.

A prática constante de esvaziamento de significado, massificação e cenarização do ambiente urbano cria uma cidade internacional porém sem identidade. Observa-se finalmente que a única maneira de dar maleabilidade ao planejamento nessas questões é a educação e conscientização da import‰ncia do patrimônio, bem como o constante desenvolvimento de pesquisas e estudos que viabilizem estruturar o que de fato deve ser preservado como uma forma de criar identidades.

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