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secao 4!

ESTADO, TERCEIRO SETOR E HABITAÇÃO:

A ONG TETO

Paula Alessandra Ramos

Ana Cláudia Castilho Barone

Este Trabalho Final de Graduação consiste em um estudo focado na atuação da ONG “TETO”, que atua na construção de casas de emergência em comunidades carentes em toda a América Latina.

Formada basicamente por estudantes universitários, a ONG surgiu no Chile em 1997, com caráter religioso, quando um grupo de jovens encabeçados pelo sacerdote jesuíta Felipe Barrios, começou a construir casas emergenciais e realizar planos de habilitação social naquele país. Aqui no Brasil, as atividades começaram em 2006, com a construção de duas casas, por vinte estudantes, em uma comunidade de Guarulhos.

Com a proposta de denunciar a extrema pobreza existente no Brasil e “melhorar a qualidade de vida das famílias que vivem em situação de pobreza por meio da construção de casas emergenciais e do desenvolvimento de planos de habilitação social, a partir do trabalho conjunto entre jovens voluntários universitários e a comunidade”, a ONG construiu, durante os seis anos de atuação no país, mais de 1000 casas de emergência em 45 comunidades da Região Metropolitana de São Paulo. Foram mais de 10.000 voluntários envolvidos desde as primeiras iniciativas e cerca de R$ 1,5 milhões movimentados apenas no último ano. (TETO, 2012, p. 12-13)

Os números consideráveis e a crescente participação da sociedade nas ações voluntárias nos motivaram a aprofundar a reflexão a respeito do trabalho realizado pela ONG. Observamos que, apesar da proposta de realizar os planos de habilitação social, o trabalho realizado pelo “Teto” no Brasil tem se resumido à construção das casas de emergência, sem incorporar os desdobramentos intentados.

Contudo, a construção das casas de emergência parece antes retro-alimentar as situações de precariedade da habitação, já que não resolvem integralmente a situação das famílias contempladas e ainda retiram momentaneamente a urgência de encontrar soluções reais para o problema. Essas soluções deveriam ser contempladas em políticas sociais abrangentes, sendo a habitação um direito humano inserido em nossa Constituição Federal, que vai muito além do espaço físico formado por um teto e quatro paredes.

Além disso, um fator de extrema importância – o maior deles no tocante ao problema habitacional brasileiro – não faz parte do escopo da ONG: a terra. As casas são construídas em terrenos invadidos, os mesmos já ocupados pelas famílias ‘contempladas’, sem qualquer ação no sentido de regularizar a área, desconsiderando até mesmo a posição das autoridades municipais, como aconteceu em Cajamar, cidade da Região Metropolitana de São Paulo.

No município em questão, foram construídas 15 casas emergenciais, sem qualquer anuência oficial das autoridades locais, em áreas invadidas e inclusive de risco, com crescimento controlado pelos Departamentos de Assistência Social e Defesa Civil da cidade.

Com cerca de 35% da população vivendo em situações precárias, em terrenos invadidos e áreas de risco, Cajamar possui, sim, uma política habitacional estruturada dentro da ordem atualmente estabelecida, com Plano Diretor, projetos e obras habitacionais e até mesmo com o cadastro de cada uma das famílias viventes nas situações descritas. No entanto, essa política esbarra em algo que impede o desenvolvimento da sociedade e faz com que o número de unidades construídas fique muito aquém da necessidade do município, causando, ano após ano, o crescimento do déficit habitacional e da situação de precariedade em que vivem milhares de famílias.

Assim, diante da constatação de que o trabalho da ONG se consolida e ganha legitimidade a partir da precariedade do urbano e do elevado déficit habitacional existente, encaminhamos a análise sobre a ONG a partir da reconstrução do contexto histórico, econômico e social que permitiu tal legitimação.

A política habitacional, entendida como ação pública que busca efetivar o direito à moradia, inicialmente compreendida como uma política de bem-estar, migrou do discurso universalista dos direitos fundamentais para a lógica seletiva do mercado, traduzindo os padrões de acumulação capitalista.

Nesse novo cenário, a sociedade civil se amplia e passa a se entrelaçar com a sociedade política. Desenvolve-se então, o hoje onipresente espaço público-não-estatal, onde irão situar-se “as parcelas da coisa pública que dizem respeito ao atendimento das demandas sociais”. (Gohn, 2008, p. 77)

As situações de pobreza urbana são transformadas em públicos-alvo de políticas sociais e culturais, apontando para uma nova configuração da gestão da vida urbana, que parece funcionar como uma estratégia de negócios. Esse padrão de desenvolvimento legitima a exclusão como uma forma de integração, criando condições para um novo crescimento econômico através da redefinição de situações informais de trabalho, ou habitação, por exemplo, que deixam de ser percebidas como “excludentes e negadoras do direito de cidadania”. (Gohn, 2003, p. 95)

Os programas sociais passam, assim, a serem vistos como ‘serviços sociais’. O termo carrega consigo um estigma: a questão social não é mais encarada como um direito, mas sim como uma prestação de serviços, o que “aponta para um novo modo de configuração da questão e da gestão da vida urbana, na perspectiva da acomodação, do apaziguamento e da pacificação, na chave de uma elisão da possibilidade do conflito e da formação de sujeitos capazes de ação política, o que despolitizaria crescentemente o horizonte e a vida na cidade”. A relação que se estabelece é a de assistencialismo, que se funda na desigualdade e a mantém. (Rizek, 2011, p. 04)

O resultado dessa mudança no cenário político brasileiro, com o desmonte das políticas sociais pelo neoliberalismo e sua substituição por políticas pragmáticas, de caráter tecnicista, fez com que os movimentos sociais perdessem força e outros atores sociais, como as ONGs, emergissem e ganhassem espaço. A ONG “Teto” surgiu dentro desse contexto, embebida de caráter filantrópico.

Assim, diante das inquietações que moveram nossa pesquisa, consideramos pertinente estruturar nossa análise na superposição daquilo que a ONG se propõe a realizar, o que ela realmente realiza, os resultados dessa ação no território da cidade e o contexto que permite sua atuação e consolidação. O trabalho foi então dividido em três capítulos.

O primeiro deles trata sobre a “Teto”, avaliando suas ações e seus resultados. Buscamos levantar sua história, a natureza do trabalho por ela realizado e os agentes envolvidos através dos documentos fornecidos pela própria instituição, da conversa com voluntários e ex-voluntários e da análise da experiência prática na construção das casas de emergência, sempre considerando os pontos já levantados aqui.

O segundo capítulo avalia a ONG através do estudo de caso de Cajamar. A análise da instituição sob essa perspectiva, foi feita a partir da recuperação das informações existentes na prefeitura cajamarense sobre a ação do “Teto”, ocorrida em 2011. Procuramos contrapor a posição da prefeitura sobre esse episódio com o histórico da cidade em termos urbanísticos e habitacionais, na intenção de compreender as situações que permitiram a construção das casas de emergência.

Finalmente, tentamos inserir esse quadro dentro de uma perspectiva maior, da política habitacional brasileira. O terceiro capítulo faz então um breve levantamento do histórico habitacional brasileiro na busca de compreender o quadro atual, que se caracteriza por um “território urbano fortemente segregado por um mercado imobiliário e de terras altamente restrito e especulativo, e por investimentos públicos que sempre foram aplicados de forma concentrada e socialmente regressiva”. (Maricato, 2006, p. 20)

Dessa forma, a hipótese sobre a qual essa pesquisa trabalha é a de que o trabalho realizado pela ONG – de caráter filantrópico – se legitima através do pensamento construído ao longo de todo o século XX, que utiliza a exclusão como condição para o crescimento econômico. Ainda por meio da análise das ações do “Teto”, buscamos, em última instância, fazer uma crítica à forma como se realiza a política habitacional no Brasil.

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