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secao 4!

Aspectos do debate entre realismo socialista e concretismo:

a obra de Vilanova Artigas

Raphael Grazziano

Luiz Antonio Recamán Barros

O arquiteto Vilanova Artigas teve papel central na constituição de nossa faculdade e dos caminhos seguidos pela arquitetura paulista. Entretanto, como estudantes, lemos suas obras através de seus epígonos, tendo poucas oportunidades de nos debruçarmos diretamente sobre os trabalhos do arquiteto. É desse primeiro desejo que parte essa pesquisa.

A seguir, cabia afunilar as questões, obras e período a serem analisados, uma linha guia para uma obra tão vasta e heteróclita. A primeira opção foi a do período em torno da década de 1950, conturbado por inúmeros eventos: na esfera política internacional, o acirramento da Guerra Fria com a proclamação da República Popular da China em 1949 e a Guerra da Coreia em 1951, dogmatizando (ainda mais) a polaridade entre capitalismo e comunismo; no caso do comunismo, também o seu primeiro abalo substancial com a morte de Stalin em 1953 e o Relatório Kruschev em 1956; no Brasil, o fim do Estado Novo em 1945, levando a um período de razoável estabilidade democrática, mas movimentada vida política, como a ilegalização do PCB em 1947, o suicídio de Vargas em 1954 e os planos desenvolvimentistas de Kubitschek a partir de 1956. E, mais importante ainda para nossos objetivos aqui, foi no início da década de 1950 que Artigas começou sua reflexão, a produção de textos em que defendia e questionava a arquitetura a ser feita, notadamente por meio de publicações na revista cultural Fundamentos, ligada ao PCB. Também nesse momento, em meados da década, o arquiteto passou por uma crise profissional, projetando pouquíssimas obras; no fim dos anos 1950, sua produção voltou consideravelmente diversa – ao menos no que tange seu “vocabulário”.

A esse período, soma-se um enfoque temático: a oposição entre o realismo socialista, arte oficial do Partido Comunista, e o concretismo, a nova vanguarda que ganhava força no país. Embora aflore no Brasil nesse momento, esse embate não é uma singularidade histórica, existente pelo menos desde o afluxo das vanguardas nos primeiros anos da União Soviética e que persiste ainda ao longo das décadas posteriores à de 1950. Artigas, que num primeiro momento defendeu explicitamente o realismo socialista, tendeu a uma posição mais dúbia ao longo dos anos, com obras e textos que não só se apropriam de ambas as frentes artísticas, mas também as criticam.

Diferentemente do concretismo, a historiografia construída ao redor do realismo socialista o vê como um movimento limitado e regressivo, cuja existência ao longo de tantos anos seria fruto apenas de um esforço ativo e contínuo do governo stalinista, sem uma base social efetiva. Essa base, segundo a opinião predominante entre os autores, foi silenciada pelas imposições stalinistas e estaria antes vinculada ao desenvolvimento do modernismo. Assim, além de escassa, a historiografia é raramente idônea, estabelecendo uma defesa sem matizes do modernismo. Em vista disso, boa parte do tempo de pesquisa e redação deste trabalho buscou caracterizar o movimento de forma menos esquemática, o que explica o menor espaço dedicado ao concretismo, possuidor de uma bibliografia de mais fácil acesso e de grande respaldo dentro desta Escola.

O trabalho começa no contexto soviético, na relação que se deu no início do século XX entre as vanguardas política e artística. Se a primeira era predominantemente bolchevique, a segunda dividia-se numa miríade de movimentos, gradualmente depurados ao longo da década de 1920 em sua aproximação à política do Partido Comunista. O realismo socialista, oficializado em 1934, pretendia ser a construção do novo homem soviético, sujeito transformador da realidade e acima da história. Por isso, as obras realistas socialistas utilizavam-se livremente dos diversos elementos plásticos da história. Por ser uma arte de massas, imiscuída com o Partido, precisava que a comunicação fosse garantida por uma leitura clara, donde certa simplicidade formal.

No Brasil, muitos desses elementos continuam, embora aqui o realismo socialista não tenha conseguido se configurar claramente como uma agenda, atuando mais no plano da denúncia. O cotidiano das massas trabalhadoras é tema recorrente, aparecendo em diversas gravuras que retratavam o operariado e campesinato espoliados.

Essa atenção às classes trabalhadoras levou a uma revalorização de suas contribuições, e isso não só no Brasil. Na União Soviética, deu-se pela apropriação das tradições locais, como no caso da cultura armênia pelo arquiteto Tamanian. Na Itália, no conhecido caso do bairro Tiburtino, é antes um passado rural, arcaico e comunitário que os arquitetos tentam recuperar, opondo-se à austeridade das homogêneas lâminas modernistas.

Também havia esforços nesse sentido na arquitetura brasileira. Entre os arquitetos gaúchos, havia a defesa recorrente de obras que dialogassem mais com as referências populares. Contraditoriamente, poucos foram os projetos que saíram desse discurso, como é o caso da residência Iochpe de Edgar Graeff, que logo abandonou as leituras realistas.

Num balanço do trabalho, o que se nota é a diluição gradual das pautas tanto concretistas quanto realistas socialistas. Nessas últimas, o viés de reapropriação do passado não encontra lastro no Brasil, em que a visão hegemônica na arquitetura defende o desenvolvimento dos meios de produção. Tal leitura pode ser feita através do percurso dos desenhos da casa Baeta de Artigas, primeiro projeto depois do período de “crise”, em que a casa perde pouco a pouco as referências à “casa paranaense” da infância de Artigas.

Quanto ao concretismo, presente também na casa Baeta, mas sobretudo na Rubens de Mendonça, sua utilização revela as fraquezas do projeto estético do movimento, que não consegue se enraizar no Brasil. Sem uma industrialização significativa, não adentra na produção de objetos do cotidiano, se restringindo à comunicação. É dessa forma que surge na residência Rubens de Mendonça, pelos triângulos da fachada e elementos construtivos: os primeiros concebidos a posteriori, depois do projeto executivo, e os últimos com uma atenção restrita ao símbolo, sem justificativa produtiva.

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