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secao 4!

Itaquera e o Itaquerão:

legado com urbanidade

Renata Canto Scheliga

João Sette Whitaker Ferreira

A região de Itaquera está em destaque com a construção do estádio que sediará a abertura da Copa do Mundo de 2014 e será, posteriormente, a casa do Corinthians. A questão da construção de um novo estádio na cidade de São Paulo já foi muito discutida. Agora que a decisão de construir um estádio do zero em um bairro periférico da metrópole já foi tomada, cabe refletir um pouco sobre suas consequências.

É indiscutível que a Zona Leste de São Paulo necessita de investimentos urgentes. Seus moradores há muito lutam por melhorias, e agora, com a construção do estádio, vivem a expectativa de finalmente consegui-las. No entanto, quando falamos de investimentos para preparar a região para sediar um megaevento esportivo, poucas vezes os resultados benéficos à população alcançam as suas expectativas. Em tal momento as prioridades urbanas mais urgentes são colocadas de lado para que os investimentos sejam focados nas necessidades específicas do evento.

Cabe, portanto, contrapor o discurso das entidades organizadoras, a experiência adquirida pelas nações que sediaram eventos da mesma natureza, e trazê-los à realidade de Itaquera. São três as perguntas a serem respondidas: “O que se promete?”, “O que acontece?” e “Do que Itaquera precisa?”.

A resposta a essas perguntas trouxe reflexões acerca de intervenções que poderiam e deveriam ser incorporadas nesse escopo para termos maiores chances de construir um legado para a cidade, o bairro e sua população.

É possível fazer uma projeção de longo prazo dos rumos que Itaquera seguirá através da análise de outras regiões da cidade de São Paulo que encontram-se em estágio mais avançado de ação do mercado imobiliário. Este é o caso, por exemplo, do Tatuapé. Bairro também da Zona Leste de São Paulo, o Tatuapé está um pouco mais próximo ao centro e possui uma população de poder aquisitivo mais alto que a de Itaquera. De qualquer forma, vale a pena um olhar sobre o seu desenvolvimento nos últimos anos, quando as áreas centrais se incharam de uma tal forma que o Tatuapé passou a ser uma alternativa. A estação do metrô, principal ligação com as demais regiões da cidade, foi um polo de atração também neste caso, e possui uma estrutura similar à de Itaquera, com shopping center anexo. Por estar ainda em sua fase de desenvolvimento imobiliário intenso, o bairro possui muitos edifícios altos, como os que vemos surgir em Itaquera, que convivem com a tipologia original do bairro de casas como as que vemos predominar na área de estudo.

O urbano e as formas arquitetônicas se relacionam com as pessoas e formam a qualidade urbana de um lugar, a urbanidade. As relações entre urbano, edificações e pessoas resultam na apropriação do espaço público e suas qualidades. Segundo Gordon Cullen, paisagem urbana é “a arte de tornar coerente e organizada a diversidade de construções, ruas e espaços que constituem o ambiente urbano”. A arquitetura é, portanto, responsável não só pela parte restrita aos limites de cada edifício e sua singularidade, mas também pelo seu diálogo com o espaço urbano. É a arquitetura do coletivo que produz a cidade. O papel do zoneamento é justamente o de ordenar o desenvolvimento, para que o espaço público seja apropriado da melhor maneira possível.

A Arena de Itaquera é uma realidade. Está em estágio avançado de construção e será o palco da abertura da Copa do Mundo de 2014. O projeto para a Copa está bem encaminhado, mas o que preocupa é se as expectativas da população serão atingidas.

Foi com isto em mente que desenvolvi o trabalho. A idéia era olhar para o bairro, analisando o que será feito, diagnosticar as falhas, e apresentar acréscimos que pudessem trazer maior qualidade de vida aos moradores locais. A reflexão foi baseada na realidade do que está sendo realizado, e as intervenções foram propostas sobre esta realidade.

Nesta trajetória encontrei uma Itaquera com identidade. Trata-se de um bairro em que ainda vemos resquícios de vida urbana, com espírito de vizinhança e um sentido de comunidade. A atmosfera de Itaquera ainda guarda aquela atmosfera de cidade de interior que a cidade de São Paulo um dia teve. Conforme conversei com moradores, percebi que uma maioria das famílias vive lá há anos e gosta do local em que vive.

As demais regiões da cidade já estão contaminadas demais pelo caos de seu crescimento desordenado, e é nesse caos que a esperança perde força. Itaquera ainda preserva qualidades que não encontramos em nenhum outro lugar da cidade, e é isso que deve ser preservado. Não podemos deixar que a região se transforme em uma outra Vila Olímpia, onde a separação entre áreas comerciais e residenciais é tão grande que aos finais de semana o esvaziamento é tão grande que parece se tratar de uma cidade fantasma.

Não se pode continuar planejando como se se tratasse de uma prancheta em branco. É preciso que os gestores assumam um olhar mais cuidadoso no momento de suas proposições. Às vezes, pequenas mudanças em um projeto são capazes de fazer toda a diferença no destino de uma família que seria expulsa e não mais será. A cidade é feita de pessoas e espaço construído, não só um ou o outro. Os indivíduos devem ter esta percepção de que pertencem a cidade.

Agora a esperança é de que este momento de Itaquera no centro dos holofotes seja o pontapé inicial de mais investimentos que estão por vir. Que o espírito corinthiano seja capaz de sustentar o que os especialistas garantem que será mais um elefante branco das Copas do Mundo. Que a população seja capaz de continuar ali, no local onde construiram suas vidas em busca de uma maior qualidade para as vidas das próximas gerações. Que uma minoria seja vítima das expulsões ou não resista a pressão imobiliária.

Em 2014 a torcida será não só para que o Brasil seja campeão do mundo, mas também para que seus habitantes saiam vitoriosos.

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