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secao 4!

LUGARES DA MEMóRIA:

PARQUE NO TERRENO DAS ANTIGAS INDúSTRIAS MATARAZZO EM SãO CAETANO DO SUL

STELA DE CAMARGO DA DALT

LUIS ANTONIO JORGE

Através de um exercício de rememoração, procurou-se vestígios da história de uma casa, de um bairro, de uma cidade, processo que pautou a proposta de intervenção no terreno das Indústrias Matarazzo, utilizando-se da implantação de um parque para reafirmar aquela história. A representação dos espaços deste parque foi um dos pontos centrais, onde na utilização de ilustrações e perspectivas procura-se aproximar-se das intenções permeadas de emoções e memórias.

Em busca de palavras, encontrei no Filme "Tokyo, GA" um ponto de partida. Wim Wenders justifica em sua fala inicial o motivo pelo qual foi ao Japão vinte anos depois da morte de Ozu, dez anos antes da produção do documentário. Diz que foi a curiosidade que o levou até lá, para descobrir se ainda poderia encontrar traços do tempo retratado nos filmes de Ozu; se haveria ainda algo daquela Tóquio nas ruas da atual Tóquio. Imagens, talvez, ou até mesmo pessoas, ou tudo teria mudado nos vinte anos que sucederam sua morte, a ponto de nada haver para ser encontrado? É nestes termos que meu trabalho, ou pelo menos minha motivação, se aproxima da de Wim Wenders: eu também estou à procura de algo. Busco permanêncas do passado em um lugar onde desenvolver significa destruir as marcas da história.

Wim Wenders procura vestígios da cidade e das relações transmitidas pelo diretor japonês. Uma imagem - hoje não mais que uma memória - registrada pelo olhar de outro. Seria um exercício de interpretação de algo interpretado, um buscar pela captura do capturado, um duplo-distanciamento. Ou seja, através de Ozu, ele criou um imaginário do ser/viver/habitar japonês, do espaço, da cultura e dinâmica social desse povo.

Remontando um pouco ao processo de formação da ideia, gostaria de discorrer sobre o paralelo que este trabalho faz, não declaradamente, com a literatura. Quando lemos obras literárias, realizamos um exercício semelhante ao descrito acima, pois criamos paisagens e ambiências não necessariamente baseadas em lugares reais mas, por sermos capazes de, através de simples descrições, associá-las a um léxico conhecido de elementos espaciais, criamos o que virá a ser o palco das histórias contadas pelos narradores de nossos livros.

O autor que desde o princípio eu tinha por "evocador de ambiências" era o escritor mexicano Juan Rulfo. Dos detalhes da história me lembro pouco; entretanto, ficaram cores, imagens soltas e lembranças de sensações. Estas são permanências que me interessam. Tendo isto em vista, é possível que quando projetamos, esteja implícita a tentativa de traduzir estas atmosferas guardadas em nosso inconsciente.

Partindo destes questionamentos, cresceu o interesse por trabalhar com espaços da memória. De certa forma, se aproximaria mais de uma memória da nossa história - do que dela ainda levamos conosco, de quais as reminiscências ainda nos são possíveis - do que uma memória de um imaginário abstrato, mais distanciado da vida cotidiana, como o das literaturas.

O processo de formação da ideia começou com uma conversa: um amigo descrevendo brevemente a história do livro que tinha acabado de ler. O livro abordava o tema da memória através da descrição da empreitada do escritor Joshua Foer para tornar-se campeão mundial de memória. É descrito o processo de treinamento pelo qual o autor passou e o funcionamento de algumas técnicas mnemônicas. Uma das mais populares delas tem o nome de "Castelo da Memória". Nela, a pessoa que deseja guardar uma informação deve colocá-la dentro de um "Castelo". Este deve ser um lugar que o interlocutor conheça bem - a casa que morou, a escola que estudou - basta ser um espaço que esteja claramente construído em seu inconsciente. Devemos transformar a informação em imagem para guardá-la dentro dele.

Com isto na cabeça pensei: em que Castelo eu colocaria tudo que me valesse guardar? O primeiro lugar que me veio à mente foi a casa da minha tia-avó, Maria Da Dalt, onde morou com sua mãe, minha bisavó, Angelina Da Dalt. Mas aos poucos fui então passando da ideia do meu "castelo" - a casa da minha tia-avó, com os cômodos dentro dos quais guardaria minhas informações "imageificadas" - à lembrança e consequente nostalgia do que fora viver esta casa e este bairro nos fins de semana. Depois disto, decidi qual seria o local de intervenção do meu Trabalho Final.

Por que esta casa, não sei. Não sei, principalmente, por, desde aquele dia até hoje, haver lugares dentro dela que estão borrados na minha lembrança. Outros, tenho bem claro enquanto unidade, mas não conseguiria encaixar numa planta, não encontraria o corredor de circulação que me levaria à eles. Talvez por, naquele tempo, haver nesses lugares muito pouco que atraísse da minha atenção, ou, até mesmo, um receio de explorar esta casa que não era a minha, e que, talvez, neste fazer, ferisse a intimidade de seus habitantes.

Me identifiquei com os escritos mais autobiográficos de Rainer Maria Rilke, e, valendo-me da falta de clareza espacial, considerei interessante explorar as capacidades plásticas destas situações. Elaborei, portanto, algumas ilustrações que externalizam o que tenho de alguma forma registrado destes lugares, alguns mais constituídos que outros. Por não ter nada muito claro, as impressões de agora se juntariam às antigas sensibilidades, transformando-se em uma mistura de certezas e incertezas que estão em mim.

A casa está localizada no Bairro Fundação, em São Caetano do Sul. O bairro é importante para a história da cidade por ter sido o berço dos fundadores do município e primeiro núcleo colonial dos imigrantes italianos. Uma de suas mais importantes construções foi e é, até hoje, o complexo industrial das Fábricas Matarazzo. Meus familiares que moraram nas proximidades também trabalharam lá até se aposentarem ou até o fechamento da fábrica, em 1986. Juntamente com a linha da CPTM e a hidrografia - formada pelo Córrego dos Meninos e o Rio Tamanduateí - é dada a "cara" do bairro, que, com o fim das atividades industriais e o aumento dos danos causados pelas enchentes, foi sendo paulatinamente abandonado por seus moradores e pela própria administração do município.

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