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secao 4!

Projeto, Utopia e Aporias

Alex de Carvalho Matos

Vera Maria Pallamin

Partindo do estranhamento em relação a um programa projetual, que parece ter deixado de lado a abrangência de questões da disciplina arquitetônica ao relegar o exercício intelectual e gráfico do projeto à dimensão quase atemporal e despolitizada, a reflexão que se desdobrou no terreno instável das dinâmicas contemporâneas encontrou na crise de 2008 sua primeira turbulência. Imediatamente, a questão inverteu-se, dada a gravidade do problema aparentemente externo à arquitetura, colocando essa crise financeira do sistema capitalista em primeiro plano nas investigações sobre o presente. O mais instrutivo nesse percurso inicial seria perceber que uma significativa movimentação, no sentido de dar ênfase a essa crise, já estaria ocorrendo no campo da arquitetura, por meio de publicações, debates e exposições, o que catalisou o desenvolvimento da presente investigação.

Desse modo, a prática arquitetônica – o projeto – colocada no contexto da totalidade social – a crise – fez-se à luz da vertente teórica materialista, tendo por finalidade possibilitar o entendimento da crise de sentido na arquitetura em sua profundidade estrutural, prosseguindo no esforço de relacionar o ideário arquitetônico contemporâneo à sua realidade contraditória.

A Parte I da presente reflexão, assim como no Primeiro Livro de Utopia, é demarcada pela crítica das condições do presente e as contradições que lhe são inerentes. Intitulada Projeto e Apatia, essa primeira etapa de nossa reflexão se configura na tensão entre duas circunstâncias críticas: o do debate arquitetônico holandês sobre a crise de 2008 e da ascensão do Brasil na perspectiva dessas discussões, cuja articulação pode ser conferida à abordagem do Centro Niemeyer em Avilés e do seu precoce fechamento. Ao acentuarmos essa relação, configuram-se dois capítulos. Em “RIEN NE VA PLUS”: a crise atual sob a ótica do debate arquitetônico holandês (capítulo I), nós investigaremos as questões em torno de duas exposições: Rien ne va plus / Faites vos jeux e SHIFTS – The Economic Crisis and its Consequences for Architecture, circunstância na qual os impasses já mencionados serão retomados e esmiuçados, tanto para esboçarmos o terreno crítico que surge em condições específicas, quanto para ampliarmos o debate considerando-o uma problemática não somente holandesa, mas de interesse para todo o projeto pensado à luz da crise. Nesse sentido, prosseguimos em FROM CRISIS TO BRAZIL e o desenho do “país do futuro” (capítulo II), para nos aprofundarmos nos desdobramentos que o debate holandês sugere e que incluí o Brasil. Com efeito, à luz dessa mediação entre lá e cá, e que encontra reforço na obra de Oscar Niemeyer em Avilés, esboçaremos as feições da problemática que se configura no horizonte dos questionamentos relativos à nova ordem geopolítica que passou a se evidenciar depois da crise de 2008, tomando a trajetória de afirmação do arquiteto carioca no cenário internacional como um ponto de vista central, na medida em que esse percurso atua de modo fundamental no processo de formação brasileira, ou, em outras palavras, na configuração dos traços da modernidade no país.

O segundo momento, a Parte II, se desenvolve em resposta ao impasse configurado na Parte I, como uma reflexão sobre os princípios do pensamento utópico que possam se contrapor à crise de sentido na arquitetura. Partindo das definições de Marilena Chauí, investigaremos as contradições às quais o pensamento utópico esteve sujeito historicamente para resignificá-lo no presente. Assim, em Utopias e Aporias, título desta parte, são sublinhados os significados que o termo assumiu no seu percurso histórico. No capítulo I, a transformação da utopia em projeto toma lugar à luz do pensamento de Manfredo Tafuri, cuja reflexão ficou conhecida por expor as contradições da ideologia arquitetônica. O desenvolvimento desse processo depois dos anos 1960 é explorado no Capítulo II, pois nesse momento aquela dinâmica descrita no Capítulo I ganha novas feições. Desse modo, em Utopia tecnológica na era da cibernética somos lançados a um novo grau de aprofundamento daqueles vínculos técno-científicos entre homem e máquina abordados por Tafuri. Um importante contraponto parece surgir nesse momento. Nas especulações do arquiteto americano John Hejduk, investigaremos as contradições de uma utopia negativa em arquitetura (capítulo III), uma resposta crítica que se afasta dos compromissos com a representação e assume uma postura iconoclasta, cuja principal feição seria a definição do devir a partir daquilo que ele não deveria ser. Mas também seria possível perceber em seu discurso projetual noções de distopia e de heterotopia.

É na travessia desse grande terreno que as interpretações do pensamento utópico configuraram que se pretende exumá-lo de seu sepultamento indevido. Por um lado, sua defesa não deve ser entendida como uma tarefa da arquitetura, no sentido do projeto encabeçar uma metanarrativa, tal como o fez o Movimento Moderno. Por outro, isso não significa que o impulso utópico não seja necessário no horizonte social e para a arquitetura. O equívoco do modernismo arquitetônico esteve em tomar para si a tarefa de conduzir a transformação social; o nosso, está em achar que a projeto possa sobreviver em uma sociedade antiutópica.

Também não desconsideramos contribuições de importantes projetos que parecem mirar outra realidade a partir do imaginário e da ação social engajada. Contudo, não podemos tomar a parte pelo todo: o esmagador “planeta favela” continua a crescer e reduzir esses projetos a ilhas de excelência em um universo distópico. Contrariando a responsabilidade assentada em projetos “nodais”, que teriam por função espalhar transformações em um processo-metástase pela metrópole, o presente estudo tem por finalidade demonstrar que, sem uma transformação política, as condições para o pensamento sobre as possibilidades de habitar (substituindo o escorregadio termo projeto) podem estar comprometidas. É justamente aí onde o real pode transformar-se em intolerável, é que procuramos a possibilidade de uma nova práxis.

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