logofau
logocatfg
secao 4!

OS LUGARES DO SOM

Bernardo Pacheco Loureiro

Giselle Beiguelman

Este trabalho tem a intenção de despertar interesse e ampliar o debate sobre a importância do som na percepção espacial. A relação entre som e espaço é essencial na percepção do espaço, uma vez que o som nos vincula ao local e ao tempo em que estamos. Apesar de arquitetos como Leitner e Pallasmaa terem apontado o importante papel do som na percepção espacial, esse é um tema pouco discutido no campo da arquitetura, e é nesse vão que pretendo inserir meu trabalho.

Na primeira parte do trabalho trato dos motivos culturais e profissionais que poderiam explicar essa dificuldade na arquitetura, e na nossa cultura em geral, de conseguir relacionar som e espaço. Para isso baseei-me na pesquisa de Emily Thompson, e estudei os desenvolvimentos da acústica arquitetônica e das tecnologias eletroacústicas nas primeiras décadas do século vinte. O recorte dessa pesquisa tem início na fórmula de reverberação de Sabine, passando pelo nascimento do projeto acústico feito com embasamento científico; o surgimento e a popularização dos microfones, gravadores, amplificadores, alto-falantes; até o surgimento de um novo paradigma acústico anti-reverberante e de uma cultura auditiva ávida por de sons diretos e não-reverberantes.

Na sua pesquisa, Thompson mostra como esses desenvolvimentos da ciência, da engenharia e da cultura trataram de separar os sons dos espaços aos quais eles eram antes necessária e intimamente vinculados.

Outra parte da minha pesquisa tratou dos músicos, artistas e escritores que dialogaram de alguma maneira com essa tensão moderna entre som e espaço. Nessa parte da pesquisa foi possível descobrir que essa aparente cisão, efetuada pela acústica e pela eletroacústica, foi fundamental para que esses artistas pudessem redescobrir e resignificar a relação som/espaço. Alguns desses artistas foram: John Cage, Max Neuhaus, Alvin Lucier e Janet Cardiff. Os desenvolvimentos da acústica arquitetônica e das tecnologias de gravação e reprodução não só alimentaram os artistas com essa tensão e inquietação modernas, mas também forneceram-lhe os espaços, métodos e instrumentos que lhes permitiram realizar seus trabalhos.

Em suma, os desenvolvimentos apontados por Thompson não anularam totalmente a relação som/espaço, mas funcionaram para esses artistas simultaneamente como combustível e motor de uma resignificação dessa relação.

Paralelamente à pesquisa, realizei experimentos sonoros, procurando com eles trabalhar com essa inquietação e com essas tecnologias, trazendo-as para o campo dos espaços e sons que fazem parte do nosso cotidiano. Nessa parte, o trabalho foi experimental tanto no sentido de ensaio, tentativa e erro, quanto de trabalho sensível, que lida com os sentidos e com a percepção.

Nesses experimentos, busquei trabalhar algumas ideias chave da relação entre som e espaço, como: reverberação, espacialização, campos sonoros, tempo, espaço como filtro, ressonância, amplidão, som como envolvente, microfonia, ciclo, construção, gravação de campo, ambiência, movimentação e deslocamento.

No primeiro experimento realizado, utilizei a microfonia na tentativa de revelar as características acústicas de um espaço. Descobri no processo que, embora a microfonia esteja relacionada a acústica local, ela é também influenciada pelos equipamentos utilizados para gerá-la. Assim como os espaços filtram e modificam os sons, os microfones, amplificadores e alto-falantes também o fazem, em uma medida em que é difícil determinar onde acaba a influência do espaço e começa a dos equipamentos.

Além disso, a interface entre som e espaço pareceu-me ser revelada mais através da nossa interação, corpórea, com ambos, do que simplesmente através do fenômeno da microfonia. São os nossos sons, a nossa fala, o nosso movimento através do espaço que informam essa relação, e isso fica evidente em um sistema instável, como é o de um espaço à beira da microfonia.

No experimento seguinte, busquei explorar o movimento como ativador, sonoro e espacial. Através da adição de reverberação virtual ao som escutado em um local, ao vivo, busquei entender como o som é capaz de criar novos espaços dentro do existente, adicionando novas camadas de informação e ao mesmo tempo modificando-o.

Na última série de experimentos, tentei unir essas questões ao mesmo tempo que me focando nos sons e espaços do nosso cotidiano. Para realizar esse objetivo, a FAU e seus sons pareceram-me um recorte adequado de trabalho, por se tratar de uma arquitetura e um lugar que conhecemos bem e intensamente, embora nossa atenção seja poucas vezes voltada para seus sons.

Comecei fazendo gravações de campo, tentando registrar fragmentos sonoros da FAU e do seu entorno, durante vários períodos e acontecimentos. Essas gravações ajudaram-me a direcionar minha escuta e a perceber características importantes da paisagem sonora deste local.

Nesse ponto, o trabalho parecia encaminhar-se para a criação de uma simulação dessa paisagem sonora. No entanto, acredito que a decisão de apresentá-lo no salão caramelo tenha sido fundamental para levar o trabalho para uma outra direção. Operando não em um ambiente isolado, algo que é tão raro na FAU, mas sim no coração espacial e sonoro do edifício, o experimento passa de simulação a instrumento. O ouvinte passa a ser um compositor, ou construtor, construindo o espaço através do som.

Neuhaus, falando sobre seu processo de trabalho, afirma o seguinte,

“A maior parte da energia que eu ponho no ato de fazer um trabalho é a construção do som. O verdadeiro esforço entra aí – no processo de colocar o primeiro som no espaço, ouvi-lo e encontrar a próxima coisa a tentar. É um processo de aprendizado, da minha parte, sobre o som naquele lugar, no lugar que já existe antes que eu comece; mas também neste lugar imaginário, ou momento, que desejo construir.”

Desta forma, gostaria com este trabalho de possibilitar para nós, arquitetos e ouvintes, um aprendizado sobre o som neste lugar em que estamos, e também potencializar uma imaginação sobre o futuro, sobre os lugares projetados e imaginados, sobre os lugares que queremos construir.

Trabalho disponível em: http://issuu.com/blpbl/docs/tfg_os_lugares_do_som_bernardo_lour e faixas de áudio disponíveis em: https://soundcloud.com/lugaresdosom

slideshow image

If you can see this, then your browser cannot display the slideshow text.

 

topo