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secao 4!

Percursos excêntricos

Gabriele Toth Lender

Clice de Toledo Sanjar Mazzilli

Este TFG teve inicio a partir das seguintes questões: Onde estão as mulheres arquitetas e artistas? Quem são as referências femininas que escapam das imagens diariamente veiculadas na grande mídia? Apesar de inconformada e quase desacreditada em virtude da escassez e dificuldade em alcançar as obras destas mulheres, saí a procura de personagens realmente ativas e pioneiras, e me deparei com preconceitos que até pouco tempo reinavam em uma sociedade patriarcal, machista, ignorante, e que, infelizmente, ainda deixam vestígios.

Após a leitura de livros e descoberta dessas personagens ativas, é notável a consciência e a coragem destas mulheres que se aventuraram em um novo universo e conseguiram se tornar artistas, gerando novas perspectivas para as gerações futuras. Acredito que somente o ato de criar uma obra, seja ela de denuncia ou não, por si só já é uma subversão por parte das mulheres, que durante séculos foram desvalorizadas e confinadas no ambiente privado.

Imediatamente vi o quão privilegiada eu era, pois, "As mulheres são agora capazes de olhar e julgar a história, o passado e o presente"( BAJAC, 2013 in ELLES) . Ora, estava em uma boa faculdade, podia desenhar modelos vivos, me tornar arquiteta, escolher meu destino, mas mesmo assim algo faltava, havia ainda algumas lacunas em minha formação, e por sorte estava neste momento descobrindo uma nova realidade, um novo mundo, o das mulheres artistas.

Ao procurar a mulher dentro da história da arte, geralmente a encontrava como ser passivo, uma mera modelo/imagem, e quando elas surgiam como sujeitos ativos, seus trabalhos eram classificados como “arte feminina”, feita por amadoras, e que, quando descritos, eram vistos pela maioria dos críticos como: delicada, sutil, leve, alegre, despreocupada, instintiva, ou ainda, como no espantoso caso encontrado no livro A arte Moderna de Giulio Argan , nele existem apenas duas mulheres artistas: Sonia Delaunay, e Nathalia Goncharova. Temos assim a impressão de que quase não existiam artistas mulheres no século XX, e que, quando existiam, suas produções só eram notadas graças à existência de seus parceiros e sua feliz anexação, onde elas eram apenas colaboradoras.

Fui atrás de outras fontes, em busca de referências quase nunca mencionadas, e tive aqui a sensação de uma arqueóloga, que aos poucos, com muita paciência e insistência, conseguia “desenterrar”, descobrir essas artistas esquecidas, e assim ampliar um pouco mais minhas perspectivas e expectativas. Ao mesmo tempo em que esta experiência foi maravilhosa, ela também foi um pouco desesperadora, pois não conseguia ir muito além de algumas imagens e pequenas citações. A bibliografia escassa e quase que totalmente escrita em língua estrangeira também me fez ver o quão atrasados estamos no que diz respeito ao reconhecimento de mulheres artistas, e quantos estudos ainda podem e devem ser feitos neste campo.

Tal iniquidade despertou em mim um enorme sentimento de vazio, e uma enorme curiosidade, assim mergulhei em uma série de pesquisas e buscas para tentar compreender os motivos que me levaram a tais questionamentos. Cursei a matéria Arte, Gênero e Sociedade no IEB, assisti a palestras, fui a museus com um olhar mais critico sobre o gênero, fiz viagens, participei de um edital, até o desenrolar deste presente trabalho prático de experimentação e intervenção .

A segunda parte de meu trabalho “compor com linhas”, é a parte prática, onde experimento diversos tipos de trabalhos manuais, e por muito tempo associados ao sexo feminino. Aqui, juntamente, contesto o saber fazer e a necessidade de criar.

Inicie esta etapa com um manto bordado, que não foi terminado, onde bordaria símbolos femininos da mitologia e faria homenagens a mulheres artistas. Em seguida desenvolvi uma máscara de crochê utilizada em algumas performances, explorando a questão do anonimato que por tanto tempo fez parte da vida das mulheres.

Mais adiante iniciei dois teares, na tentativa de compreender uma técnica, dada pela primeira e única professora da Bauhaus, Gübta Stolzl. Inspirada por esta mulher, praticamente desconhecida no meio acadêmico, fez o curso no SESC Pompeia e terminei um tear de pente liço.

Para concluir este percurso, fiz alguns retratos em tecido com nanquim, de rostos de mulheres, 15 no total, e com eles algumas intervenções. Aqui o foco é o rosto e não mais o corpo, há aqui uma procura de identidade do ser feminino e universal, visto que os desenhos são variados, desde autorretratos até desenhos de uma moradora de rua, de uma senhora de idade, e entidades que me apareciam. Estas intervenções espaciais dotam os retratos de novos corpos e expressões, além de sensações, captadas por meio da fotografia e de um documento áudio visual.

O presente TFG não pretende ter como resultado final nem um, nem vários objetos, mas sim diversas experimentações no campo artístico e têxtil. São espécies de percursos que abarcam, mesmo que em pequena escala, conceitos e técnicas desenvolvidos por mulheres artistas, no decorrer dos séculos, desde a utilização da matéria têxtil até instalações, performances e vídeo. Os objetos existem, sim, mas como meio de busca, não como finalidade em si. Através de fotografias e filmagens, tentei não só capturar as diversas sensações e expressões do trabalho, como também arrisquei partir do manual para o digital, e tentar desta forma levar a ideia a diante ao capturar aqueles instantes inexplicáveis, e assim organizar um novo tipo de raciocínio que será apresentado no final da banca.

Durante meus percursos notei o quanto eles fogem dos padrões impostos pela indústria cultural e pelo meio acadêmico. Percebi que o bordado, o crochê, o tear, os desenhos em tecidos e as intervenções solitárias são manifestações excêntricas no sentido mais radical do termo, pois excêntrico significa desviante, diferente, segundo regras não redutíveis em si mesmas a um princípio.

Pode-se dizer que estes retratos, estes panos, de certa forma tentam me representar, pois são colocados onde sinto que deveria estar, são uma ponte, uma interação que permite que eu me imponha no ambiente e reflita sobre ele, e por isso mesmo há entre eles alguns autorretratos.

Este trabalho igualmente propõe questionamentos e remetem a diversas sensações. Onde a história, a academia, a religião, a sociedade tem colocado as mulheres? Em uma sociedade em que a parte mais venerada da mulher está localizada do pescoço para baixo, propus então, intervenções onde o foco principal estava no rosto, na expressão facial adquirida com o movimento e em interação com o ambiente, imaginando histórias, situações...

Os retratos ora são cortinas, véus que tudo observam e sentem, são passivas no ambiente, se deixam levar pelo vento, pela maré, afundam, mas também conseguem ser ativos quando nos causam espanto, quando nos surpreendem e nos dão o prazer de suas deformações, mas acima de tudo, trazem à evidência a capacidade de mudança e de adaptação que nos caracterizam enquanto seres humanos.

Afinal, onde estão estas mulheres? Não importa, pois a verdade é que estão em toda parte, todo lugar é um local de intervenção possível, e pode nos levar a infinitas discussões. Mesmo os locais com traços fortemente masculinos, inevitavelmente recebem a influência feminina, seja ela ativa ou passiva. Há aqui a busca por uma identidade feminina que transcenda a originada pela repressão.

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