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secao 4!

Casa do Povo

Ilan Szklo

Antonio Carlos Barossi

Numa cidade com a dinâmica da metrópole paulista, a volatilidade dos espaços é uma característica intrínseca, seja pelas constantes demandas sociais, seja pela financeirização dos espaços, seja pela intervenção do estado. Lugares que já apresentaram uma vida cultural em constante ebulição e um intenso convivio social, hoje sofrem de abandonos e espaços ociosos. Essa descrição cabe a quase todos os bairros da região central da nossa cidade, mesmo que nos últimos anos estes tenham sido alvo de um novo interesse por parte da classe média. Este é um fenômeno, aliás, que verificamos em diversas metrópoles ao redor do globo. É neste movimento de retomada dos espaços centrais da cidade que figura a Casa do Povo, antigo reduto da esquerda judaica e progressista do Bom Retiro.

O edifício da Rua Três Rios funcionava como um centro cultural abrigando uma série de usos como o TAIB (Teatro de Arte Israelita Brasileiro), o Colégio Scholem Aleichem e a edição do jornal ‘Nossa Voz’. Sendo um lugar de caráter experimental e de formação crítica por excelência, teve sua relevância na resistência contra a ditadura militar. É um exemplo claro de um espaço que teve uma importância não só para o bairro como para toda a cidade, mas que até há pouco tempo se encontrava subutilizado, praticamente abandonado.

Projeto do engenheiro-arquiteto Ernest Mange, é inaugurado em 1953 pelos imigrantes judeus advindos da europa oriental, em memória aos mártires da Segunda Guerra Mundial, rapidamente se convertendo num verdadeiro centro comunitário, formador de jovens com uma postura universal progressista. Teve seu período áureo nos anos 60 e 70 e mesmo com a repressão nunca deixou de ser um centro de formação crítica e política, pelo contrário, as peças encenadas nos subsolos da Casa do Povo, onde estava instalado o TAIB, eram uma das maiores representações de toda aquela cultura e efervescência que se encontrava nas ruas do Bom Retiro nesse período.

Em 2013, ao completar 60 anos, o equipamento cu ltural passa por um processo de retomada de suas atividades e o tema deste trabalho final de graduação dialoga exatamente com essa realidade. Foi como expectador de ‘Bom Retiro - 958 metros’ do grupo Teatro da Vertigem, peça itinerante que se apropria das ruas do bairro de mesmo nome e também de seus espaços degradados, como o TAIB, que surgiu meu interesse e grande curiosidade a respeito dessa edificação até então ‘desconhecida’. A partir de um contato inicial com o ICIB (Instituto Cultural Israelita Brasileiro), associação que ergueu e cuida do espaço até os dias de hoje, deu-se início ao desenvolvimento do trabalho.

O local conta com um impressionante acervo contendo diversos tipos de documento, desde contratos da época de sua construção até as atas das assembléias dos associados, desenhos de arquitetura originais do projeto bem como uma biblioteca com 5.000 volumes, sendo 4.000 destes em ídiche, dialeto popular dos judeus do leste europeu. Este rico material foi fundamental para a pesquisa aqui apresentada. Como síntese de toda as experiências que vivenciei ao longo deste ano e documentadas nesse caderno, procurei repensar a Casa do Povo, seus espaços e seus usos, com um projeto que busca inserir este centro de experimentação na contemporaneidade ao mesmo tempo que reforça seu caráter de monumento vivo.

A primeira etapa do trabalho dividiu-se em duas frentes principais. Uma pesquisa histórica da construção da edificação e todos seus aspectos juntamente com os fenêmonos sociais desse contexto, a origem dessa comunidade e seu passado europeu, por exemplo. Concomitantemente fez-se um levantamento do edifício tendo como base a pesquisa iconográfica dos desenhos do projeto de Mange que ainda se encontram no acervo do ICIB. Redesenhou-se a Casa do Povo por completo, obtendo as informações ora dos antigos desenhos ora de aferições no próprio local. Esse processo teve uma importância crucial na apreensão dos espaços do objeto de estudo e no entendimento de alguma das dinâmicas de apropriação que se derama ao longo destes 60 anos de existência.

Passada a primeira etapa inicia-se de fato as proposições projetuais. Digo de fato pois desde o ínicio, dada a vivência constante experienciada, pensou-se sobre diversas hipóteses e soluções de projeto que seriam interessantes para o local. As etapas de trabalho portanto não tiveram uma divisão nítida, e da mesma maneira que se pensou projeto do início ao fim a pesquisa histórica também acabou se prolongando e se misturando com a fase projetual.

O partido da proposta baseia-se na releitura do espaço do teatro e como este poderia ser adaptado à práticas contemporâneas. Abriu-se mão do formato mais tradicional do palco italiano existente em prol de uma ‘caixa-preta’, espaço cênico totalmente flexível e que suporta diversas configurações de platéia, pensado de tal modo a abrigar um teatro experimental. Um outro aspecto importante da ideia apresentada é a nova circulação vertical proposta. O antigo fosso do elevador foi reaproveitado como uma prumada para infraestrutura e ‘rasgou-se’ um módulo de laje para a passagem das duas novas cabines dos elevadores. O local foi escolhido de forma a resolver o acesso a todos os piso e suas cotas variadas, abrindo-se para um ou outro lado, dependendo do pavimento. Complementando esta circulação desenhou-se uma escada de emergência que funciona também como passagem de serviço para as intalações do teatro. Implantada numa faixa estreita aos fundos do lote o volume é uma intervenção sutil preservando a estrutura porticada que forma o grande salão de vão livre. Por fim, o projeto acaba sintetizando uma vivência com os espaços da Casa do Povo ao longo de um ano de pesquisa, buscando atualizá-la à práticas e dilemas da atualidade ao mesmo tempo que dialoga com seu passado e sua história.

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