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secao 4!

A Casa dos Sonhos:

uma tradução entre gerações

Júlia Rozo Perez Ferrari

Clice de Toledo Sanjar Mazzilli

Logo no meu primeiro semestre na FAU a Professora Anália disse para a sala "Vocês estão no primeiro ano! Se eu pedir para vocês projetarem uma casa feita de água, vocês fazem!", eu só viria a entender realmente o que ela quis dizer só depois de alguns anos de FAU, mas lembro de imediatamente começar a pensar como essa casa seria construída. Os anos foram se passando e a casa ficou cada vez mais difícil de ser projetada, isso porque fomos tendo contato com todos os tipos de regras e leis: econômicas, físicas, sociais, imobiliárias etc, que, agora, aparecem automaticamente em nosso processo criativo colocando a casa d'água no plano das ilusões. Ao reparar nisso, pensei: se em um nível pós-colegial podemos projetar uma casa feita de água, imagine o que se pode projetar quando crianças, em uma época que a influência de regras e leis são mínimas! Digo mínimas, pois o próprio convívio da criança com a televisão, filmes, livros e adultos e até outras crianças influenciam o seu imaginário e o impossibilitam de ser inteiramente puro.

Apesar das crianças, desde muito cedo, terem criatividade e imaginação extremamente ativas e férteis, só depois de uma certa idade é que elas colocam o produto da criatividade e da imaginação no papel. Porém, há um momento em que as crianças abandonam a espontaneidade e liberdade infantis para entrarem no mundo adulto que tanto admiram, pois o meio em que a criança se desenvolve é o universo adulto, e esse universo age sobre ela da mesma maneira que todo contexto social, condicionando-a ou alienando-a (Mèridieu:1974: 03), esse abandono se dá em duas etapas: a primeira são os signos gráficos devidamente classificados que são introduzidos pela escola na idade pré-escolar, pois nessa idade o foco é dado para o aprendizado de ler, escrever e a realização das operações básicas de aritmética. Ao mesmo tempo as noções dicotômicas de certo e errado farão parte de toda a base educacional. A segunda etapa, que ocorre por volta dos doze anos de idade, é o abandono dos signos ao serem considerados infantis e impróprio para o mundo adulto, isso se dá pela descoberta e a submissão às leis da perspectiva.

Com base nessas informações decidi trabalhar com crianças na faixa etária de cinco anos, uma idade onde já se passou pela fase do rabisco, mas que ainda não entrou totalmente no aprendizado por signos, um estágio em que a imaginação ainda é predominante.

Alguns arquitetos possuem um processo criativo que, apesar de ainda se prende às regras e leis por motivos práticos, extrapola o limite do olhar comum ao projetar, podendo algumas vezes ser considerado tão irreal quanto um desenho de uma criança. Porém a maioria dos adultos quase nunca entende completamente o que as crianças estão desenhando, normalmente interpretando de forma errônea ou equivocada devido à perda do modo de pensar infantil. Por isso pretendo pegar esses desenhos feitos a partir de um processo criativo quase que completamente puro e traduzi-los para uma linguagem técnica mantendo todas as características e desejos dos seus projetistas. Organizando-os, tanto os desenhos das crianças quanto as representações técnicas, em uma diagramação no mesmo estilo de revistas especializadas em arquitetura. A idéia é que a revista seja uma intérprete entre as crianças e seus pais através dos desenhos.

Há alguns exemplos de projetos que trabalham justamente com a tradução de desenhos infantis em algum produto, as quais posso me basear para evitar a modificação indesejada. Um deles é o MOBIDécouverte Ð Les Enfants Designers: um projeto criado pela IFA (Industrias do Mobiliário Francês) que tira do papel os projetos de mobiliário de crianças do ensino fundamental (equivalente ao Fund. II). Com a orientação de um designer, as crianças, pertencentes à uma classe de uma certa escola, projetam um móvel passando por todas as etapas de um processo criativo: elas desenham o móvel com anotações descrevendo os detalhes, mostram os projetos para todos da sala para que todos possam tem a oportunidade de opinar, constroem a maquete, visitam a oficina que produzem os móveis conhecendo todas as etapas de uma fabricação, entram em contatos com diferentes materiais que podem ser usados na confecção do móvel, visitam também o museu do mobiliário para conhecerem a diversidade dos designs. Os protótipos feitos a partir dos projetos seguem o máximo de fidelidade possível levando em conta as questões físicas dos materiais escolhidos e da funcionalidade, com isso ocorrem algumas mudanças, mas estas são poucas. Dado isso, os protótipos são expostos em uma exibição aberta ao público em que, tanto adultos quanto crianças, podem experimentar os móveis.

Outro exemplo de tradução a partir de um desenho infantil são as empresas que transformam os desenhos em bichinhos de pelúcia. Essa tradução é mais literal que a do MOBIDécouverte, pois a liberdade na confecção das pelúcias é muito maior. Aqueles que recebem os pedidos (desenhos) algumas vezes perguntam sobre algum detalhe para ajudar na confecção, mas depois disso não tem quase nenhum contato com a criança, pois todas as informações estão no próprio desenho.

Para realizar esse trabalho, decidi organizar uma atividade a qual seria aplicada com crianças pertencentes a uma mesma sala em um ambiente escolar. Essa atividade teria o intuito de produzir uma série de representações das respectivas Casas dos Sonhos. Trabalhei entre os meses de junho e agosto com as 20 crianças que pertenciam ao grupo (sala) Pica-Pau da Creche Central da USP, e elas desenharam e me explicaram cada elemento e detalhe das casas que haviam em suas mentes.

Foi planejado dar uma cópia da revista a cada criança que participou da atividade, além de uma cópia que será dada à escola que realizou a atividade como registro.

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