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secao 4!

São Paulos Invisíveis -

Uma intervenção no centro velho de São Paulo

Lia Naomi Guglielmetti Untem

Jorge Bassani

Trata-se de... Uma intervenção artística, um happening, cenografia urbana, como preferir chamar. Sobre o que? Sobre a cidade, oras! Mais especificamente sobre o centro velho de São Paulo: Aqui, ele se apresentará como ator e cenário. Esteja preparado para olhar para ele de outro modo, e ver muito além do polo pulsante de comércio, serviços e infraestrutura (vivo somente em horário comercial). E tudo isso sem efeitos, maquiagem e outros artifícios... Está pronto para o espetáculo? É bem ali, onde a multidão ganha proporções monumentais e preenche aéreo e subterrâneo de som e suor, ali onde a cidade grita o que sobrou da sua história no silêncio dos edifícios degradados: do fundo de seus rios canalizados (hoje vales e taludes), declama o quanto já foi verde, caipira... Que já teve fim, e até horizonte visível... Parece interessante colocado dessa forma, não? Imagine quantas possibilidades, o que o centro diria, se tivesse quem o ouvisse... Esteja, contudo, advertido: não se trata de uma obra de fantasia ou ficção, você não vai encontrar nada que já não estivesse lá. A intenção aqui não é criar algo que não existe, mas mudar a percepção daquilo que é e lembrar aquilo que já foi, mesmo que só por um breve instante: Um momento de respiro, uma pausa para que a imagem ganhe foco e, pouco a pouco, mostre toda a riqueza de seus detalhes.

No refletir sobre o centro de São Paulo, o que mais me intriga é a indiferença (ou seria ignorância) dos seus incansáveis passantes perante o passado que a região carrega. Por esse motivo, me interessei em buscar vestígios desse passado que se mantiveram de algum modo perceptíveis até hoje, numa espécie de escavação da paisagem, buscando o sítio fundamental de São Paulo. O mais óbvio (e paradoxalmente o mais ignorado) é a própria geografia. Estudando o mapa da região, percebe-se que, apesar da completa ausência das características naturais do sítio, ainda é possível delinear o contorno da chamada colina de fundação e, o que é mais interessante, que essa vantagem geográfica ainda produz pontos de visão privilegiada sobre a cidade, uma posição privilegiada não só no que diz respeito ao relevo, mas à própria percepção da cidade tanto no passado quanto no presente. Isso determinou um aspecto muito importante para o desenvolvimento do trabalho: tratava-se, sim, de promover uma fruição diferenciada do centro de São Paulo, contudo, isso não se daria olhando para dentro dele, mas para fora. Apreender a cidade a partir de seu ponto de partida. Surgiu, então, o conceito de instalar lunetas (objetos de cena fixos) nesses pontos, voltadas para a cidade.

Estes objetos, com a sua forma inspirada nas câmeras fotográficas antigas, nos monóculos e na figura dos lambe-lambes, criam uma espécie de cenografia urbana em duas camadas: do ponto de vista de quem observa a cidade através da luneta, um filtro intermediário entre o observador e a realidade destaca aspectos específicos da paisagem, aspectos ali presentes desde o princípio, mas geralmente esquecidos ou ignorados; Do ponto de vista do passante, aquele que utiliza a luneta desperta a curiosidade e ganha um papel de protagonista.Cada luneta aborda um aspecto diferente da cidade, numa espécie de escavação da paisagem. A primeira se volta para a geografia, buscando o relevo e a estrutura fundamentais da cidade, a colina de fundação limitada pelo vale do Anhangabaú e seu pequeno córrego; A segunda se debruça sobre o ponto de mudança histórico para o desenvolvimento desenfreado da cidade, no final do século XIX; e a terceira sobre os fluxos constantes dessa cidade sempre em movimento, que moldam a própria estrutura da cidade.

Cada luneta é um objeto de funcionamento bastante simples: através de uma imagem impressa em uma base transparente, cria-se um filtro sobre a percepção do espectador. A construção desses filtros se dá, antes de qualquer coisa, a partir de uma apropriação do real: dos seus aspectos físico, histórico, social... Uma busca pelo que lhe é essencial. A partir dessa apropriação, se constrói uma nova imagem, ou mais ainda, um discurso. Essa nova imagem, contudo, é de tal maneira intrínseca à realidade que a gerou que só ganha vida uma vez sobreposta a ela: dentro da luneta, a cidade se maquia para se mostrar mais real.

Parece confuso, mas não é. A essência dessa instalação está nos seus aspectos mais simples: no fato de que ela se apóia no contorno da colina de fundação, no coração da cidade, porém não o faz para discutir especificamente as questões do centro velho, e sim as questões de escala muito mais abrangente sobre a cidade, observada a partir do seu ponto de origem; e no fato de que, não tendo uma tese específica a defender, ela procura tocar os aspectos mais básicos e acessíveis, com o objetivo de criar uma vivência que levante questões, não que as resolva. Sendo assim, todas essas possibilidades intrínsecas servem para que você perceba o quanto todos esses aspectos são ligados entre si, como eles permeiam por toda a intervenção, e como a força arbitrária da autora agiu mais no sentido de procurar pontos de vista onde cada aspecto pudesse ser visto de modo privilegiado, do que com a intenção de criar um discurso ou narrativa em específico.

O ponto todo do trabalho era construir uma intervenção que tivesse condições de ser executada, e isso se deu com sucesso, apesar dos empecilhos burocráticos, das complicações técnicas e do prazo apertado.A apresentação, realizada no centro de São Paulo, foi uma experiência cheia de surpresas, mas atingiu o seu objetivo de provocar uma experiência de fruição diferenciada da cidade. Mais do que uma intervenção fechada, este trabalho se configurou como ponto de partida para algo ainda melhor e além de um trabalho de graduação.Muitos aperfeiçoamentos e sugestões surgiram durante o processo, e o que ficou não foi a sensação de um trabalho final, e sim a de que a minha atuação como arquiteta e cenógrafa havia ganhado um começo.

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