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secao 4!

PROJETO CORRESPONDENCIA

manuela costalima

Luis Antonio Jorge

Este trabalho se constituiu em duas etapas. Durante um ano caminhei por ruas do google street view fotografando pessoas que apareciam em suas imagens. Tentei comunicar-me com elas atraves de cartas enviadas para os enderecos que obtive na barra lateral do google maps. Nas cartas mandava suas fotografias e um envelope extra para que elas me postassem de volta o que quer que fosse. No ultimo semestre me debrucei sobre essa experiencia. Por meio da literatura, da arte, de alguns textos de filosofia e de urbanismo busquei entender esse processo.

Percebi ao longo do tempo que o trabalho sintetizou questoes fundamentais da minha trajetoria na fau, a primeira delas, o caminhar pelas cidades. Caminhar pelas cidades foi desde o comeco do meu curso um metodo que estabeleci na apreensao do espaco urbano. Acredito que qualquer caminhada tenha potencial politico e sensorial, mesmo que seja uma caminhada corriqueira. Este trabalho trata, contudo, de uma outra caminhada; da caminhada como pratica estetica. Assim como o arquiteto italiano Francesco Careri, como Baudelaire ou Benjamin, ou, ainda, como os artistas caminhantes Long, Alys, Vito Aconcci e Sophie Calle, tornei das minhas caminhadas uma pratica estetica. Nos meus vagares pela cidade, o caminho era lugar. Entregue ao acaso, a deriva, livre dos compromissos cotidianos, podia imaginar e encontrar lugares e pessoas incrivelmente interessantes. Nessas experiencias do caminhar surgiu um segundo elemento chave do meu percurso na fau: a fotografia. Por meio da fotografia, eu podia registrar esses meus encontros.

No principio minhas derivas se davam em qualquer lugar, o que interessava era o acaso e o caminho. Por meio dessas derivas, chegava a lugares unicos, das mais variadas feicoes. Quando me encontrava em um bom estado de espirito, minhas caminhadas me levavam a fascinantes experiencias da realidade.

Num segundo momento dessas caminhadas cheguei aos terrains vagues sobre os quais teorizou Ignasi de Sola Morales. Esses espacos indefinidos, tao caros aos fotografos contemporaneos, se encontravam a margem da cidade, eram uma critica e alternativa as grandes cidades.

Finalmente cheguei, entao, ao lugar desse trabalho - as cidades pequenas. Havia perdido o interesse pelos terrenos vazios, senti necessidade de reencontrar o outro. As cidades pequenas sao lugares da vizinhanca, espacos solidarios de Milton Santos. A experiencia humana, as memorias e estorias coletivas a significam. Tratam-se de lugares sem grande importancia historica ou geografica. Cidades pequenas sao lugares banais, e ainda assim repletos de significados. Nesses cantos apartados da rapidez e frieza das grandes cidades, encontrei identidade e afeto. (Este lugar a que cheguei por meio das caminhadas reais foi retomado neste TFG, agora nas caminhadas virtuais pelas imagens do google street view.)

Percebi que, assim como Lucy Lippard e Wim Wenders, sempre tive um grande interesse por lugares. Lugares me interessam enquanto construcoes humanas. A experiencia humana significa o espaco e torna-o um lugar. Assim se deu para mim nas cidades pequenas, assim se da nas caminhadas dos artistas Francis Alys e Richard Long. O caminho pelo espaco real e em si processo de significao, mas como isso se daria nas caminhadas virtuais? como trazer significado as ruas do google street view? Existiria alguma forma de reverter a frieza desse nao-lugar, torna-lo lugar?

Nao-lugares, como teorizou o antropologo frances, Marc Auge, sao um fenomeno tipico do tempo contemporaneo. Nos nao-lugares a experiencia de mundo e pasteurizada e previzivel. Autoestradas, shoppings centers e aeroportos sao exemplos de nao-lugares, mas para mim o maior deles e a internet. Se a solidao e uma constante entre todos esses lugares citados, na internet isso se apresenta de forma ainda mais marcante.

Vivemos hoje grande parte de nossos dias em uma realidade virtual. As funcoes mais simples como pedir uma informacao sobre como chegar a um lugar, comunicar-se com alguem, pesquisar, ou entreter-se, passam quase sempre pela tela do computador ou do smartphone. A imagem na televisao, que chega a toda parte em tempo real nos seduziu. A tela do computador, com toda sua oferta de comunicacao nos retirou do mundo tatil e esvaziou o espaco publico. A comunicacao virtual excessiva nos afasta do outro e nos coloca frente a multiplas imagens de nos mesmos. o dialogo e raridade no tempo virtual. Como observou Baudrillard, o que se vive hoje em dia e um extase da comunicacao: em toda parte se compartilha em detalhes a intimidade, em tempo real. O cotidiano foi satelitizado e o que se tem em troca e o obsceno.

Deixei de caminhar pelas cidades e me tornei uma navegante dos impulsos eletronicos. Sentia falta do tatil. Sentia falta daquela experiencia sensorial de mundo que havia vivido em minhas primeiras caminhadas. Sentia falta do outro. Quando caminhava pelo google street view, tive essa ideia de falar com as pessoas que estavam ali quando o carro do google passou. Nao era possivel mandar emails ou procura-las na internet, pois tudo o que tinha era seus enderecos. Assim decidi que precisava mandar cartas a elas. Percorri cidades do mundo todo em busca de correspondentes, enviei diversas cartas, e tive algumas (poucas) respostas. Pude, desta forma, cruzar fronteiras: do virtual ao tatil novamente, do nao-lugar ao lugar, da tela do computador a cidade pequena, do tedio da caminhada virtual ao entusiasmante envelope carimbado no outro lado do mundo. As feicoes borradas das fotos do google foram entao se definindo para mim. Relacionava-me novamente com a realidade. Falava com pessoas que agora tinham uma historia, um nome e um endereco. Criava lugares.

Trabalho disponível em: issuu.com/pcorrespondencia

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