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secao 4!

a memória em pequenos espaços

mariana naomi hirai

Giorgio Giorgi Junior

A memória é como um palito de fósforo aceso no escuro: ilumina um ponto no espaço durante uma fração de tempo. Este trabalho representa o acendimento de alguns palitos de fósforo no emaranhado de fatos da minha própria existência, limitado às memórias em espaços, não monumentais e/ou históricos, mas, pequenos que significam.

A questão da memória na FAU é sempre muito relacionada à ideia de restauração física de grandes edifícios. Um dos grandes pensadores do assunto foi John Ruskin, que trata a casa como um templo, um lugar sagrado que carrega forte caráter sentimental agregado, e é seguindo este pensamento que construo meu trabalho.

O restauro, aqui, versa sobre os espaços, não tão concretamente, na estrutura física do edifício, mas de maneira mais representativa, na tentativa de tratar a questão do espaço e da memória de maneira poética, re-significando a passagem do tempo e esse estado de permanente modificação das coisas e de suas percepções a partir de elementos materiais e estéticos através da gestualidade do corpo e das próprias coisas por meio de um material audiovisual.

Os trabalhos de Marina Abramovic, conhecida como mãe da performance-art, tiveram grande influência nos meus trabalhos, inclusive neste, então, comento sobre alguns deles, pois carregam a sensibilidade e o conceito que gostaria que os meus também refletissem.

Em seu manifesto, coloca que a solidão e o sofrimento são fundamentais à alma do artista e, tratar dos meus devaneios em a memória em pequenos espaços, necessitou realmente de um estado de introspecção e escancaramento das feridas mal curadas.

Para este trabalho, penetrei intensamente nas minhas memórias e acabei me apaixonando pelo trajeto que me traz ao presente. Relendo A Disciplina do Amor de Lygia Fagundes Telles que, apesar de escrever de maneira discursiva, é uma poetisa que filosofa sobre a vida, me deparei com sua reflexão: “não cortaremos os pulsos, ao contrário, costuraremos com linha dupla todas as feridas abertas”.

Seu livro dialoga com meu trabalho, além dessa vontade e necessidade de trabalhar as dores do passado, também apresenta, numa estrutura em fragmentos, a explicitação de sensações, sonhos e reflexões através de uma percepção feminina. Cada fragmento, em a memória em pequenos espaços, foi manipulado de maneira sensível e reflete um significado particular.

Cada espaço das minhas memórias é especial por conta de acontecimentos, desejos, percepções sentimentais, trabalhados, aqui, não de maneira literal, não numa mera tentativa de suas representações exatas, mas através de lembranças sensíveis e sensoriais.

No processo de aceitação de que a percepção das coisas nunca é total, já que detalhes passam despercebidos e um mundo todo funciona sem que nos demos conta e, portanto, há a impossibilidade da reprodução exata das memórias, evidenciei a minha re-significação sobre a percepção dos espaços que estão, aqui, representados.

Lembranças e percepções passadas confundiram-se com o presente e transformaram-se em devaneios. As reflexões de Bachelard exibem-se em a memória em pequenos espaços além do conceito de devaneio, também de liberdade poética e psicológica.

A linguagem visual do meu trabalho explora a realidade, não tão narrativa e linearmente, evidencia texturas, sons, cores, sensações etc. No limite entre fatos e devaneios, os espaços são re-significados em atos performáticos a partir da materialidade e da estética das coisas.

A plasticidade é experimentada como desapego da realidade. Parece contraditório falar em desapego quando os fatos estão explícitos em cada fragmento a partir da plasticidade, entretanto, a matéria, aqui, passa a representar outros signos de linguagem.

Os Screen Tests de Andy Warhol foram referências fundamentais para a concepção de a memória em pequenos espaços, tanto que coloco a mesma nomeação como subtítulo do trabalho e inicio com o fragmento de um deles: Screen Test: Baby Jane Holzer, junto a uma frase do artista logo na abertura.

Cada fragmento assemelha-se aos vídeos de Warhol: pequenos “tapes” da vida apresentados sem a intenção de representar a realidade, escancara seu caráter ficcional propositalmente, remetendo, novamente à questão da liberdade, pois a representação exata das lembranças levaria à restrição do processo projetual em meras atuações de acontecimentos passados.

Partindo dos acontecimentos, os devaneios e as analogias fluíram num encadeamento inevitável que tentei representar, tanto em cada fragmento, quanto na unicidade do vídeo, como uma roteirização a partir de sensações.

a memória em pequenos espaços é um trabalho sensorial que, a partir das técnicas e críticas audiovisuais aprendidas em algumas das aulas assistidas no departamento de Cinema, Televisão e Rádio da Escola de Comunicação e Artes da USP, concebe um projeto enraizado nos ensinamentos absorvidos durante a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

O rico ensino de história da arte e da arquitetura; das tecnologias e de projeto, foram fundamentais para a concepção de uma estética singular, para a compreensão sobre a materialidade e concretude das coisas, e para um forte olhar para as questões conceituais em um trabalho artístico.

Trabalho disponível em: https://vimeo.com/77292754

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