logofau
logocatfg
secao 4!

Territórios do Parque Dom Pedro II

Rafael Cruz

Jorge Bassani

Essa pesquisa sobre o Parque Dom Pedro II tem como ponto de partida as discussões em torno do Grupo de Estudos Mapografias Urbanas, coordenado pelo Prof. Jorge Bassani, orientador deste trabalho. Da mesma forma, o interesse pelo entendimento do espaço urbano como produto de subjetivação nasce da própria experiência com a cidade e se intensifica a partir do contato com as ferramentas da deriva e da psicogeografia, definidas no âmbito do Situacionismo. Além disso, a relação entre usuário e cidade como fruição e comunicação é pouco abordada no decorrer deste curso, de modo que este trabalho visa também preencher essa lacuna na formação.

A proposta foi de uma abordagem tão genérica que acabou abrindo um extenso leque de possibilidades de exploração – o que por um lado estabeleceu a abordagem horizontal que permeia todo esse trabalho; por outro, suscitou dúvidas e aflições de uma pesquisa à deriva, sem a certeza de alcançar seus objetivos [e talvez sem a precisão de quais eram esses objetivos].

O trabalho estrutura-se numa linha que parte da abordagem mais geral da ideia de cidade moderna e contemporânea; parte para uma aproximação focada na evolução da cidade de São Paulo e suas centralidades sob uma perspectiva histórica; analisa os processos e dinâmicas que definem o Parque Dom Pedro II a partir das atividades formais ou marginais dadas em seu território e finalmente debruça-se sobre o corpo como meio de percepção e ação nos espaços da cidade. Trata-se, então, de progressivamente restringir a escala até o mais próximo do usuário para compreender um conceito tão genérico quanto uma categoria de cidade. Apoia-se, para isso, no ferramental teórico e conceitual desenvolvido por Gilles Deleuze e Felix Guattari na obra Mil Platôs, reconhecendo nesses instrumentos a possibilidade de explorar e compreender as complexidades da cidade contemporânea.

Confrontar as complexidades da cidade contemporânea com um olhar lançado sobre o Parque, identificar dinâmicas e possibilidades de subjetivação num espaço já dado como morto é um esforço que este trabalho, em alguma medida conseguiu alcançar. Desenvolver o dispositivo que represente intensidades e potencialidades dos espaços da cidade contemporânea, múltipla e complexa, é um outro trabalho que dispensaria mais tantos esforços. Pensar nos meios de representação da cidade contemporânea retoma os princípios rizomáticos de mapa e decalque desenvolvidos por Deleuze e Guattari. Os instrumentos tradicionais de representação gráfica da arquitetura e do urbanismo são análogos ao decalque; planta, corte e elevação não traduzem as múltiplas entradas que constituem a cidade contemporânea, as relações topológicas que regem espaço e tempo urbanos.

“A literatura sobre a cidade contemporânea é imensa, mas as descrições tecnicamente pertinentes talvez não sejam assim tão numerosas como normalmente se pensa. A cidade contemporânea parece opor uma firme resistência à descrição, sobretudo se ela é feita sob as formas codificadas do urbanismo moderno” (SECCHI, 2006:88).

Fazer o mapa proposto por esse trabalho, no duplo sentido de espraiar rizomas e produzir a representação gráfica dos espaço da cidade, é buscar o instrumento de “entendimento e descobrimento das pulsações do ambiente urbano com a finalidade de intervenção urbanística” (BASSANI, 2012:133).

Recorrer a noções topológicas, para além da representação cartesiana, bidimensional e congelada dos dispositivos tradicionais da arquitetura.

Se por um lado este trabalho não alcança o objetivo de representar graficamente as relações complexas do Parque Dom Pedro II, por outro identifica e aplica modelos conceituais a essas complexidades, impulsionado pela filosofia contemporânea e partindo da experiência com o urbano – representação verbal, não gráfica.

Esse trabalho, em alguma medida, procura desmanchar consensos que baseiam parte considerável da produção arquitetônica atual. Sabe-se que os espaços públicos urbanos e, de modo geral, a metrópole, vêm destacando-se em um protagonismo cada vez mais sensível. Tal protagonismo carrega a ideologia da construção da imagem de uma cidade global, que, entre outras ações, baseia os projetos de “revitalização” e “requalificação” dos espaços do centro, coração da cidade do CIAM VIII, cuja outra face é de um centro já qualificado e vivo do ponto de vista dos usos e ocupações, porém improdutivo na visão da cidade global.

A condição do Parque Dom Pedro II merece uma ressalva em relação a essa crítica ao projeto. Os estriamentos do Parque definiram um espaço que, de fato, carece de vitalidade. Transparece a latência de possibilidades e potencialidades a partir dos usos e apropriações por atividades precárias e marginalizadas. Essas dinâmicas sintetizam uma contradição, mostrando essas atividades como resistentes aos processos de estriamento dos espaços públicos ao mesmo tempo em que reforçam o status quo da reprodução social e da produção das cidades.

Esse trabalho faz a proposta, antes de um projeto, de uma vida e uma cultura urbana apropriadora das complexidades e intensidades da cidade contemporânea. Um movimento de resistência à inércia e ao espetáculo. Faz a apologia à cidade afetiva, corpórea, imaginária, subjetiva. A partir desses princípios da vida urbana, construir o projeto urbano. Como metaterritorialidade, dispõe de potencialidade para acolher um espaço gentil. “Trata-se, em suma, de uma transferência de singularidade do artista criador de espaço para a subjetividade coletiva” (GUATTARI, 2012:158).

“A complexidade da posição do arquiteto e do urbanista é extrema mas apaixonante, desde que eles levem em conta suas responsabilidades estéticas, éticas e políticas. Imersos no seio do consenso da Cidade democrática, cabe-lhes pilotar, por seu projeto (dessin) e sua intenção (dessein), decisivas bifurcações do destino da cidade subjetiva. Ou a humanidade, através deles reinventará seu devir urbano, ou será condenada a perecer sob o peso de seu próprio imobilismo, que ameaça atualmente torná-la impotente face aos extraordinários desafios com os quais a história a confronta” (ibid.:158).

slideshow image

If you can see this, then your browser cannot display the slideshow text.

 

topo