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secao 4!

A várzea e a cidade –

uma perspective para o rio Pinheiros

Rafaella Basile

Eduardo Alberto Cusce Nobre

O trabalho foi elaborado em duas escalas, uma primeira sendo a escala da cidade na qual o rio Pinheiros é o foco do estudo. Através de uma análise do processo histórico do vale do Pinheiros, buscou-se compreender ao longo do tempo a relação que a cidade construiu com seu rio e como sua várzea foi incorporada ao tecido urbano.

Antes da sua retificação, os rios Tietê e Pinheiros circundavam a cidade através de percursos lentos e sinuosos, construindo, ao longo de sua existência, planícies de inundação, ou as chamadas várzeas. Essas, ainda não se constituindo como espaço interno à cidade, ganharam existência na vida de parte dos habitantes da cidade, moradores ribeirinhos tiradores de areia, oleiros, pescadores, e também esportistas e poetas.

A utilização do rio como recurso natural o insere no processo de edificação da cidade por meio da exploração econômica das matérias-primas obtidas nas várzeas, e que dão suporte ao crescimento intensificado a partir de 1880 com a fixação de um grande número de estrangeiros em São Paulo. Uma vez que a cidade alcança as várzeas, essa atividade passa a conflitar com outros usos previstos para as elas. A ideia de modernização e progresso surge com os trabalhos de drenagem e retificação dos rios nos anos 30, 40 e 50, através dos quais o poder público respondeu às novas necessidades da cidade em plena expansão, visando redefinir e ampliar as possibilidades de uso das várzeas.

A força que a Cia. Light tinha adiante da burguesia viabilizou a aprovação do dispositivo sobre a propriedade do leito dos rios alterados por obra humana: estabelecia-se, por processos de desapropriações, o direito de a executora se apropriar das áreas alagadiças ou sujeitas a inundações. Essas terras, sem definição clara de seus limites no decreto, serão demarcadas pelo nível da enchente de 1929 – cota 724. Essa enchente é apontada na tese de Seabra (1987) como criminosa, e responsabiliza a Companhia Light pelo aumento desproporcional do nível dos rios. Esse espisódio acabaria por expandir o direito ao benefício de desapropriação à Light e consolidaria seus interesses no mercado de terras no processo de reversão e canalização do Rio Pinheiros.

A partir dos anos 70 assistiu-se, em São Paulo, ao deslocamento das atividades terciárias localizadas no Centro e no entorno da Avenida Paulista rumo ao vale do Pinheiros. Essa transformação contou com uma intensa valorização das antigas várzeas, impulsionada e beneficiada por políticas e investimentos públicos concentrados no quadrante sudoeste do município, por meio principalmente de obras de infraestrutura viária. A falta de planejamento urbano nessa região e a atuação negativa do mercado imobiliário resultaram em mais um espaço de exceção, com ausência de identidade urbana, desarticulação entre espaços público e privado e a insistência no automóvel em detrimento do pedestre.

Através desse entendimento, foi possível propor uma nova relação baseada em conclusões e experiências próprias, de maneira a retratar uma das muitas possibilidades para o rio Pinheiros. A leitura desse território revelou a necessidade de se transpor as barreiras viárias e férreas e trazer o rio de volta para a cidade, para a vida dos seus habitantes. Assim, buscou-se a criação de um sistema de áreas de lazer ancorado no canal do Pinheiros que pudesse se conectar ao resto da cidade.

Como objeto de aprofundamento do estudo, a região de Jurubatuba foi escolhida para uma proposta de desenho urbano. Essa região iniciou seu processo de urbanização com a implantação de um loteamento da Cia. City em 1953, chamado Campo Grande. Nas décadas de 50 e 60, em pleno processo de expansão industrial no Estado de São Paulo, essa área contou com a ampliação do parque industrial de Santo Amaro, se consolidando como um dos mais importantes polos de emprego industrial da região metropolitana.

Atualmente, o bairro passa por uma significativa transformação, com o encerramento de algumas atividades industriais, dando lugar aos seguidos lançamentos imobiliários de alto padrão e a instalação de empresas voltadas às atividades de prestação de serviços e comércio em geral. Em 2004, o Senac inaugurou um campus na região e, desde então, é responsável pelo grande parte do fluxo de jovens e estudantes nesse local.

A região de Jurubatuba revela-se carante de projetos, de diretrizes que possam criar um bairro misto, com habitações para todas as rendas e oportunidades de emprego. Esse equilíbrio não é contemplado hoje na região: os lançamentos imobiliários estão focados em produtos de alta renda, negligenciando boa parte da população, o que inclui não só os moradores da região e seu entorno como também estudantes que não têm a opção de morar perto do campus do SENAC. Além disso, apresenta uma infraestrutura de transportes que inclui trem, ônibus e metrô próximos. Esse cenário, de acordo com as diretrizes propostas no novo Plano Diretor, permitiria o adensamento dessa região com moradias e usos mistos, ampliando o acesso ao transporte público.

Propôs-se um bairro mais conectado com o resto da cidade, voltado para pedestres e ciclistas e com um forte sistema de espaços livres ao longo do canal do Jurubatuba, totalizando 150 hectares de área verde para recreação e lazer. Para garantir um bairro misto e variado, prevê-se a aplicação do instrumento da cota de solidariedade, permitindo a criação de 9.000 unidades de interesse social e inserção de 100.000 novos habitantes.

Entende-se que essas propostas, se implementadas, deveriam vir acompanhadas de instrumentos urbanísticos que impedissem a gentrificação dessa várzea, que hoje abriga conjuntos de habitação social e favelas. O que se apresenta aqui é um esforço de democratização da cidade: de suas áreas de lazer, de seu transporte, de sua moradia.

O trabalho encerra-se como um convite a um debate no que diz respeito à construção da cidade. Faz-se necessária a elaboração de projetos, diretrizes e instrumentos que possam guiar o desenvolvimento, produção e transformação da cidade, permitindo o surgimento de uma diversidade urbana e social.

Trabalho disponível em: http://issuu.com/rafabasile/docs/issu?e=3714394%2F5541490

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