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secao 4!

O Centro Técnico de Aeronáutica:

do concurso de anteprojetos aos edifícios esquecidos de Niemeyer

Renata Bacheschi Mori

Luiz Recamán

O trabalho teve como tema central o Centro Técnico de Aeronáutica (CTA), projetado por Oscar Niemeyer. O CTA, hoje alçado a Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), está instalado em uma área de aproximadamente 14km2, em uma antiga área de fazendas de São José dos Campos.

Criado pelo Ministério da Aeronáutica, na década de 40, hoje é mantido pelo Comando da Aeronáutica, subordinado ao Ministério da Defesa, e pode ser caracterizado como um órgão de ensino superior e de pesquisa e desenvolvimento tecnológico no campo aeroespacial, aliado a produção industrial. Os seus principais institutos são: o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA); o Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE); o Instituto de Estudos Avançados (IEAv); o Instituto de Pesquisas e Ensaios de Voo (IPEV); o Instituto de Controle do Espaço Aéreo (ICEA); e o Instituto de Fomento e Coordenação Industrial (IFI).

No campus do DCTA, além dos institutos e seus laboratórios, foram construídos diversos equipamentos de apoio aos seus funcionários como aeroporto, restaurantes, agências bancárias, hotéis, mercado, clubes esportivos, posto de gasolina, escolas e uma zona habitacional, onde residem cerca de três mil moradores em novecentas residências, que servem tanto a militares, quanto a professores e alunos do ITA, pesquisadores, técnicos e servidores em geral. O DCTA pode ser entendido como uma pequena cidade dentro de São José dos Campos, ocupando uma área correspondente a 4% da zona urbana joseense, com população de servidores girando em torno de 3 mil pessoas, sendo 40% deles militares.

O trabalho que desenvolvi trata de quatro etapas importantes da história deste centro de tecnologia:
1. A ideia de criar um centro de excelência em ensino e pesquisa em aeronáutica nacional e seu contexto histórico na política desenvolvimentista dos anos 40.
2. O concurso fechado de anteprojetos: os participantes, os projetos apresentados e o julgamento.
3. A consagração de Niemeyer como vencedor do concurso e os percalços na assinatura do contrato; o projeto definitivo e a sua construção.
4. O que foi construído do plano de Niemeyer e seu estado atual.

A metodologia dessa dissertação incluiu, tanto pesquisa em fontes primárias em arquivos históricos, quanto o uso de bibliografia específica de apoio sobre o contexto histórico e sobre o próprio CTA. Após os primeiros meses de leitura, foi autorizada pela Direção do DCTA a minha visita aos arquivos do Grupamento de Infraestrutura e Apoio (GIA-SJ) onde estão guardadas as plantas, cortes e elevações de todas as construções empreendida no Centro. No arquivo do GIA-SJ, além de todo material gráfico dos projetos construídos, tive acesso às fotografias das pranchas dos anteprojetos apresentados no concurso de 1946. Esses projetos se deterioram com o tempo e foram descartados, o que fez com que essas fotografias sejam os únicos registros existentes deste concurso no DCTA. Em cima desses registros fotográficos, segui um longo período tentando recuperar as imagens dos anteprojetos, muitos deles nunca publicados por seus autores.

Por fim, analisando o percurso da história do Brasil e as mudanças ocorridas entre 1930 e 1945, período examinado no primeiro capítulo deste trabalho, posso afirmar que o Centro Técnico de Aeronáutica só poderia ter sido construído – e nos moldes em que foi projetado – neste período específico do país, época de grandes transformações políticas, econômicas e culturais.

O CTA é o desenho da síntese do projeto de Getúlio Vargas da modernização do Brasil: a construção de um campus de ensino, pesquisa e produção de tecnologias de ponta, para a aplicação na novíssima indústria nacional. Não seria mais necessário importar conhecimento dos países desenvolvidos, nem enviar os futuros engenheiros e especialistas para estudar em instituições no exterior.

Com o recém criado Ministério da Aeronáutica e o conhecido apreço que Vargas mantinha pela aviação, o timing dos militares foi perfeito para o convencimento da necessidade do Centro e a justificativa do grande investimento financeiro. A parceria entre Brasil e Estados Unidos neste empreendimento foi essencial, tanto na contratação de professores e técnicos para lecionar no Instituto Tecnológico de Aeronáutica, como também para o financiamento da obra, com a entrada de grande capital norte americano no país com base na “Política de Boa Vizinhança” aos aliados dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. Há de se levar em conta também o papel hegemônico das Forças Armadas na sustentação do regime varguista e na implementação de um projeto estratégico de desenvolvimento nacional baseado na industrialização e na construção de um forte sistema de defesa nacional.

Outro aspecto importante a ser destacado nesta época é o prestígio que Arquitetura Moderna usufruiu e a valorização da profissão de arquiteto. Afora Juscelino Kubitschek e a construção de Brasília (quinze anos após o concurso para o CTA), dificilmente houve a mesma preocupação estética/funcional por parte das autoridades para executar um conjunto tão complexo e extenso, com a seleção cuidadosa de um grupo de arquitetos que produziam um tipo de arquitetura muito específica, o tipo que conseguiria traduzir em seus edifícios o que havia de mais moderno sendo produzido no Brasil. Essa atenção extra dada à arquitetura do CTA, em um período de forte educação cultural, fica mais evidente quando confrontamos os edifícios projetados por Niemeyer no CTA e as construções realizadas a posteriori no mesmo lugar, principalmente nas décadas de 70 e 80, onde não se vê qualquer preocupação em manter uma unidade formal ao conjunto, claramente priorizando resolução mais rápida e econômica de um problema.

O concurso de anteprojetos do CTA pode ser considerado um dos marcos da arquitetura moderna. Seu edital minunciosamente detalhado, pedia um plano para uma pequena cidade, o zoneamento e suas infraestruturas; os edifícios, com programa completamente definido, onde era possível saber quantas salas, laboratórios, auditórios, ginásios e bibliotecas com quantidade exata de livros; até as residências, dividas em sobrados, casa térreas ou apartamentos, com suas metragens e disposição dos cômodos. Os projetos apresentados eram ricos em detalhes, desde o traçado exato dos arruamentos e que tipos de árvores seriam plantadas nos parques e canteiros, até a disposição dos móveis em um quarto. Poucas foram as oportunidades que arquitetos tiveram em participar de um projeto tão complexo, no qual se pode colocar em prática os conceitos da Arquitetura e da Cidade Moderna em todos as escalas do projeto, do urbanismo ao mobiliário.

Embora Niemeyer tenha renegado por muitos anos a autoria e a participação ativa em quase uma década de construção do centro, ao ponto de dizer que o CTA foi “uma obra feita pela metade, está prejudicada, não tem interesse para mim”, é inegável reconhecer que o CTA foi um dos marcos na trajetória profissional de Niemeyer, impulsionando profissionalmente, ao passo que é possível encontrar nos projetos e edifícios construídos do Centro, diversos elementos que Niemeyer só conseguia exercitar em projetos que nunca foram executados. Ao fim, resta a dúvida de por que Niemeyer se empenhou e se sacrificou tanto, seja se sujeitando a um acordo onde deu todos os créditos do seu trabalho a outro; seja elaborando um volume imenso de desenhos, revisões, e alterações; seja sendo mal remunerado; para dar continuidade a um projeto que, para ele, não havia interesse algum.

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