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secao 4!

Vazios.

O Espaço Habitável Entre As Coisas.

Sarah Daher Kobata Felippe

Ana Claudia Castilho Barone

Está em curso a discussão sobre a existência, significados e potencialidades dos vazios das cidades, os espaços residuais gerados pelo abandono, intencional ou não, de porções do território, em sua maioria lotes, e que constituem uma reserva de terras para as mais inúmeras e inusitadas apropriações. O tema do trabalho surgiu da observação desses espaços que “sobram” na cidade e que poderiam ser retrabalhados a ponto de se tornarem espaços públicos com potencial de uso para a população.

Embora o termo vazio não tenha uma definição única, homogênea e global, identificam-se nesses locais determinadas características – a mais evidente é seu estado de abandono – que puderam, neste trabalho, justificar a denominação de certas áreas urbanas como vazios. Da indagação acerca desses espaços e suas potencialidades de desenho, este trabalho categorizou uma de suas formas, o vazio das fronteiras.

Os vazios das fronteiras não são meramente metragens de terra abandonadas pelo governo ou iniciativa privada, mas espaços sem qualidade urbana não necessariamente quantificáveis. Esses vazios ocorrem nos interstícios entre terrenos e objetos. São vazios que delimitam o externo-interno, direita-esquerda, acima-abaixo, e que não articulam de maneira harmônica objetos adjacentes, facilitando, assim, o antagonismo entre as partes.

A forma como desenhamos nossas cidades, a partir da demarcação de limites, cria uma morfologia de espaços ensimesmados e pouco ou nada integrados com seus vizinhos. O potencial do desenho do interstício está na articulação entre o fim de um traço e começo de outro. Este trabalho sugere que as potencialidades dos interstícios são múltiplas e incertas e, por isso, devem ser investigadas por meio de exercícios diversos de desenho dos espaços residuais da cidade, buscando formas não padronizadas que acomodem usos diferentes. O objetivo está em encontrar formas para esses interstícios que possam se concretizar tanto com intervenções maiores, em termos de volume construído, quanto com soluções simples a partir de pequenas mudanças do ambiente edificado.

Não se objetivou a execução de um trabalho prático e outro teórico que se fundissem ao final, mas a adoção de um procedimento no qual a leitura e reflexões a partir de outros autores fornecessem elementos para sugerir desenhos, dialogar com as formas propostas, e não meramente justificar o projeto proposto. Os trabalhos de três arquitetos – Jan Gehl, Gordon Cullen e Herman Hertzberger – tornaram-se referências aplicadas diretamente no exercício projetual. A leitura dos livros desses três arquitetos e a reflexão feita sobre seus textos não gerou resenhas ou comparações entre eles, mas exercícios de projetos urbanos que iam a favor de suas propostas ou contra elas. Ao final buscavam-se projetos de espaços urbanos que levassem a escala humana em conta, fomentando a busca por formas que adequem os movimentos do corpo.

Os primeiros croquis realizados neste trabalho focaram no estudo dos elementos urbanos da paisagem, e como a necessidade de olhar para eles significava um desenho mais atento às pessoas. Foram elaboradas propostas e reformulados os desenhos dos pontos de ônibus, bancos públicos, postes de luz, posto de gasolina, lixeiras, telefones, alinhamentos das árvores. Objetivava-se compreender como os elementos urbanos, ordinários no cotidiano das cidades e presentes em todos os espaços públicos, poderiam significar mais do que os significados já a eles atribuídos e provocar sensações distintas aos usuários que utilizam esses elementos diariamente.

A partir da leitura de Igor Guatelli, o trabalho se aproximou da visão de que os projetos de espaços públicos podem ser concebidos de maneira a permitir que o usuário defina qual uso deve fazer desse local. Embora caiba ao arquiteto dar a forma do lugar, não cabe a ele exclusivamente prever quais atividades podem ou não podem se desenvolver em determinado espaço. A esse profissional cabe sugerir usos, mas não fixa-los, ao usuário cabe escolher as atividades que deseja desenvolver nos lugares que gosta e não escolher lugares para desenvolver as atividades que pode.

Aproximou-me também do conceito desenvolvido por Herman Hertzberger de “acomodação da forma”, característica das formas arquitetônicas de possibilitar usos diversos por se adequarem aos corpos humanos – degraus como bancos, soleiras como pontos de encontro, guarda-corpo como suporte de conversas entre vizinhos, corrimãos como barras para crianças escorregarem e brincarem, brise-soleil como nichos de atividades e até, bagageiros de ônibus como mesas para piqueniques.

Por fim, foram desenvolvidos quatro projetos para o TFG que são mais do que formas acabadas do que devem ser as áreas públicas, mas formas que podem sugerir apropriações pelo usuário. Os usos não definem as formas, as formas que devem sugerir a maior quantidade possível e inesperada de usos. Por esta razão, os quatro projetos desenvolvidos não são propostas acabadas, mas sugestões de como os espaços públicos podem ser. O projeto defende, de certa forma, que os espaços públicos devem prever, ou esperar, usos inesperados, mas simultaneamente fornecer elementos básicos para que os usuários se sintam confortáveis a permanecer no lugar.

Indo contra o entendimento funcionalista das áreas urbanas, o projeto dos espaços públicos não precisa ser definido com formas pré-concebidas e usos impostos, como praças de skate ou gramados para piqueniques ou quadra de esportes ou bancos; eles podem ser dois ou mais desses simultaneamente ou simplesmente não ter nenhuma função determinada. Da intenção inicial era propor projetos urbanos para ocupar vazios identificados em São Paulo, ao final, o trabalho propor uma discussão, por meio do exercício de projeto, de como pensar a atividade de projeto dos espaços públicos.

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