logofau
logocatfg
secao 4!

Do planejamento estratégico ao planejamento conflitual:

um estudo de caso sobre a Vila Autódromo (Rio de Janeiro, 2011-2014)

Brunna Laboissiere Ferreira

Vera Maria Pallamin

Esta pesquisa busca compreender duas formas possíveis de encarar o planejamento urbano no momento contemporâneo: o planejamento estratégico e o planejamento conflitual. Como caso de estudo, nos concentraremos em duas formas de planejamento atualmente em disputa na cidade do Rio de Janeiro. De um lado, temos o Parque Olímpico para os Jogos Olímpicos de 2016 e sua estreita relação com o Plano Estratégico do Rio de Janeiro. De outro, temos a Vila Autódromo, ameaçada há anos de remoção, ameaças recrudescidas com o início da elaboração do Plano Estratégico e do Parque Olímpico. Os moradores desta comunidade elaboraram um Plano Popular para demonstrar que é possível manter a comunidade mesmo com a construção do Parque Olímpico e, ao mesmo tempo, prover as melhorias urbanas necessárias para a qualidade de vida dos moradores. Tal maneira de pensar a cidade, por alguns autores, é chamada de planejamento conflitual.

Plano Estratégico

A partir do início da década de 1990, o planejamento urbano no Rio de Janeiro passou a ser conduzido tendo em vista adotar um modelo “estratégico”, a partir da elaboração dos Planos Estratégicos. O modelo “estratégico” possui origem norte-americana e passou a ser muito difundido após sua aplicação na reestruturação de Barcelona para a organização dos Jogos Olímpicos de 1992. Desde o primeiro Plano Estratégico ao último publicado, observa-se uma relação muito estreita entre eles e as candidaturas do Rio de Janeiro para sediar as Olimpíadas. Os Jogos Olímpicos são utilizados como um catalisador para a reestruturação o espaço urbano, permitindo que grandes empresas utilizem do espaço para reprodução do capital. O último Plano, para o período de 2013 a 2016, procura mostrar o legado que os Jogos deixarão à cidade e repete reiteradamente o objetivo de tornar o Rio de Janeiro uma “referência nacional na excelência do ambiente de negócios”.

Vila Autódromo

Ao longo da história da Vila Autódromo, houve reiteradas tentativas de remoção devido a motivos que variaram ao longo do tempo: poluição paisagística, incompatibilidade com o Parque Olímpico, poluição da Lagoa, duplicação de vias, construção do BRT. Tais tentativas se deram de várias formas, desde ameaças verbais e veiculação de notícias na mídia, que buscam denegrir a comunidade, a marcações nas residências e ações judiciais. Em contrapartida, ao longo de sua história, recebeu reconhecimentos legais de posse e as seguidas tentativas de remoção foram contestadas pelos moradores, com o apoio da Defensoria Pública.

Plano Popular da Vila Autódromo

Foi ao longo de 2011 e do primeiro semestre de 2012 que os moradores realizaram o Plano Popular da Vila Autódromo, com a colaboração de pesquisadores de duas universidades: o Núcleo Experimental de Planejamento Conflitual do Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ e o Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos da UFF.

Do planejamento estratégico ao planejamento conflitual

A generalização da forma mercadoria e o prevalecimento do valor de troca, a partir da industrialização, tendem a subordinar o valor de uso da cidade. Assim, surgem conflitos entre valor de uso e valor de troca, que nos apontam restrições à apropriação concreta da realidade urbana e que, portanto, nos privam do direito à cidade. É neste sentido que esta pesquisa compreende o conflito entre as duas formas de planejamento aqui estudadas: o Parque Olímpico – e sua relação com o Plano Estratégico –, que permite que os atores privados envolvidos utilizem o espaço para gerar lucros; e o processo de resistência da Vila Autódromo, que busca defender o valor de uso que aquele espaço tem para seus habitantes.

Como legitimar tamanha subordinação do planejamento aos interesses de grandes empresas? A resposta do planejamento estratégico é que deve-se unificar a cidade em torno de um projeto principal e criar a ideia de que existe um consenso em relação a ele, pois não haveria outra alternativa para a crise urbana. No caso do Rio de Janeiro, o objetivo é tornar a cidade atrativa para investimentos de grandes capitais, tendo os Jogos Olímpicos como uma das principais alavancas para a reestruturação urbana útil para este fim. Impondo o consenso, tentam esconder e arrefecer o conflito.

Por que existem conflitos sociais em nossa sociedade? O capital se reproduz produzindo desigualdade, já que seu fundamento é expropriar as riquezas da maioria e concentrá-las nas mãos de poucos. Portanto, vivemos em uma cidade constituída por antagonismos de classe, que nos apontam para as contradições inerentes à sociedade capitalista. Em relação à cidade, o conflito surge quando o valor de troca tende a se sobrepor ao valor de uso, isto é, quando aqueles que querem obter lucros impedem que a maioria construa a cidade para a satisfação de suas necessidades de vida.

E como podemos encarar o papel do conflito na nossa sociedade? Uma possibilidade é considerá-lo como dinâmicas que, se reconhecidas, podem avançar no sentido de melhoras nas condições de vida, ou mesmo, de superação dos conflitos. É neste sentido que podemos entender a resistência da Vila Autódromo, nos revelando que práticas que resistem à lógica imposta – a qual pretende transformar tudo em mercadoria – nunca deixam de existir. Ao reconhecer e radicalizar os conflitos – que levam à luta social – poderemos superar os entraves que impossibilitam o direito à cidade.

Portanto, entende-se o Plano Popular da Vila Autódromo como experiência de planejamento conflitual, pois ele se constitui como uma forma de planejamento que parte de uma situação de conflito. A partir do reconhecimento deste conflito e explorando o potencial criativo e propositor dos moradores da comunidade, agora sujeitos políticos ativos, elaboraram o Plano Popular.

A opção pelo planejamento conflitual afirma a “possibilidade de uma cidade como espaço do encontro e confronto entre cidadãos”, aponta uma alternativa para abrirmos espaços para o exercício democrático da política e para a construção de uma cidade realmente justa.

Trabalho disponível em: http://issuu.com/brunnalaboissiere/docs/tfg_brunna_-_09_-_final_-_internet/0

slideshow image

If you can see this, then your browser cannot display the slideshow text.

 

topo