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secao 4!

Francis Alÿs:

Percursos e desvios

Clara Barzaghi de Laurentiis

Vera Maria Pallamin

Essa pesquisa surge do interesse em explorar a poética visual de Francis Alÿs, buscando, a partir da aproximação em relação a sua obra, pontos de articulação com questões levantadas por mim ao longo do curso de Arquitetura e Urbanismo na FAUUSP.

Francis Alÿs, de origem belga, graduou-se no Institut Supérieur d’Architecture Saint-Luc, na Bélgica e, no início da década de 1980, iniciou os estudos no Istituto di Architettura di Venezia, na Itália, onde desenvolveu sua tese de doutoramento, na qual buscou estabelecer um paralelo entre a eliminação da fauna urbana da cidade pré-renascentista e o progressivo desaparecimento do conceito de animalidade nas representações populares.

Mudou-se para a Cidade do México em 1986, para trabalhar com organizações não governamentais, período durante o qual se percebeu cético com relação às políticas urbanísticas. A partir dos anos 1990, Alÿs se afasta da prática arquitetônica para se dedicar à prática artística, através da qual explorou novas formas de aproximação com o espaço da Cidade do México, onde reside ainda hoje.

A frustração do artista em relação às possibilidades do planejamento urbano e sua consequente decisão de se afastar do campo da arquitetura foi o primeiro ponto de contato entre sua produção e as problematizações que levantei em meu percurso por esse território. Se as políticas de planejamento urbano muitas vezes parecem ineficazes, elas também podem ser percebidas em seu efeito nocivo a partir de processos urbanos como a gentrificação. Daí o interesse na produção de Alÿs, que permite reflexões sobre formas de intervenção no espaço urbano que não passam por uma discussão da cidade como um todo que deve seguir determinadas diretrizes.

O contato com as obras do artista permitiu dar forma a questões sobre a possibilidade de atuar na cidade sem ser capturado pelos movimentos do neoliberalismo que moldam as cidades contemporâneas. Se o urbanismo parece sempre capturável, a produção artística pode problematizar essa condição e produzir situações no espaço que não são regidas pelo traçado institucional.

Percebi que a produção de Alÿs se constrói não apenas no espaço, mas também no tempo. Ao realizar suas ações no contexto urbano, Alÿs não trabalha apenas com o uso do espaço, mas também com o ritmo da vida nas metrópoles latino-americanas, especialmente na Cidade do México. Isso se dá de maneira simultânea, ou seja, tempo e espaço não estão desvinculados nas intervenções do artista.

Pensar no espaço urbano contemporâneo é também pensar no ritmo que esse espaço implica sobre os corpos. Vivemos apressados, atravessando os mesmos trajetos diários numa velocidade alucinante, tentando chegar do ponto de partida ao ponto de chegada no menor intervalo de tempo possível.

Alÿs caminha, para, observa e registra a vida na Cidade do México. Não se mostra muito interessado em chegar a um ponto final definitivo. Dispende tempo e energia em tarefas que parecem não levar a nada. Move montanhas criando um deslocamento quase imperceptível. Repete. Em suas ações, encontrei ressonâncias que me permitiram elaborar as reflexões trazidas neste ensaio. Chamo de ensaio por duas razões distintas: em primeiro lugar, a preferência do artista em evitar conclusões únicas e inquestionáveis me influenciou no sentido de não considerar que este trabalho esteja finalizado, mas sim aberto para retomadas e revisões que poderiam ser reconfiguradas em outras problematizações.

Em segundo lugar, pelo conteúdo do texto, que traz uma investigação que é fruto da minha ressonância com a produção de Alÿs. Isso quer dizer que não pretendo aqui buscar verdades ou ideologias a partir de suas obras, mas sim entrar em contato com as questões que pude encontrar em sua poética. Não se trata, por fim, de atribuir valores estéticos à obra de Alÿs, mas sim de abordá-la a partir de uma outra perspectiva, percebendo como as imagens e histórias criadas por ele possibilitam a elaboração de pensamentos críticos.

A discussão tenta partir de dentro da produção do artista, ou seja, houve um esforço que consistiu em cartografar as obras de Alÿs a partir da leitura de catálogos de exposição, artigos eletrônicos e entrevistas realizadas com o artista. Nas laterais deste percurso pela poética de Alÿs, situaram-se outros autores que ajudaram a olhar para suas obras.

A partir dessas aproximações, foi possível realizar uma série de reflexões acerca da possibilidade de construir algo novo a partir da experiência que é a arte. Não se tratam de mudanças visíveis, mas sim de transformações subjetivas. Ao perceber as reverberações políticas causadas por intervenções no tempo-espaço, as obras de Alÿs trouxeram a discussão da política numa esfera micro, do indivíduo e da experiência.

Alÿs aborda de maneira semelhante as relações com tempo e espaço. Ou seja, da mesma forma que privilegia o presente no que diz respeito ao tempo, ao pensar no espaço, parece privilegiar o momento no qual as ações acontecem. Esse, provavelmente, é um dos aspectos que mais chamou atenção ao longo desse trabalho. A atenção do artista parece sempre se voltar para o “entre”. Ou seja, ele parece sempre mais preocupado com o aqui-e-agora do que com a possiblidade de atingir um objetivo futuro.

O que importa, em Alÿs, é o percurso. Os meios se tornam mais importantes do que o fim, pois é justamente no entre que se torna possível vislumbrar as possibilidades de ruptura. O objetivo final, em Alÿs, parece perder a importância. O que interessam são as possibilidades de reverberação de suas obras, que deslocam a atenção do objeto final para o ato que acontece. É o próprio percurso que proporciona as possibilidades de desvios.

O espectador passa a fazer parte desse “entre” explorado pelo artista e, a partir disso, consegue formular as sensações despertadas por sua obras. Sem objetivar finais definidos e conclusivos, as obras de Alÿs se abrem para diversas interpretações, que muitas vezes extrapolam o contexto em que foram concebidas. Aí reside a potência de suas obras.

Trabalho disponível em: http://issuu.com/claralaurentiis/docs/fralys_percursos_e_desvios

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