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secao 4!

Territórios no discurso arquitetônico

Victor Piedade de Próspero

José T. C. Lira

Este trabalho nasceu devido à vontade de debater elementos presentes em meu contexto de formação. Desde de o primeiro ano de graduação, a palavra território parecia estar presente ao tratar dos mais diversos temas. Ao mesmo tempo que me envolvia com um determinado discurso sobre arquitetura e território, e uma determinada estética, bastante difundidos no contexto da FAUUSP, entrei em contato com textos sobre Rem Koolhaas que levantavam o problema da desterritorialização, já no segundo ano do curso. A dualidade em torno da ideia, e a multiplicidade de significados que ela podia carregar, me instigaram desde então; mas principalmente o fato de gerarem objetos e abordagens radicalmente distintas.

Mais adiante, em uma disciplina sobre historiografia, quis abordar o tema em um trabalho de análise crítica que pretendia focar-se por um lado em um projeto de Paulo Mendes da Rocha, e por outro em suas falas envolvendo o conceito de território, bem como alguns textos historiográficos que também se valiam do termo para descrever a obra do arquiteto. A tarefa mostrou-se mais complicada do que o esperado, e o problema da relação entre discurso e projeto de um grau de complexidade muito maior que o imaginado.

A partir dessa mesma disciplina, até o presente, o contato com o curso de filosofia da universidade passou a ser constante e mostrou uma gama de possibilidades para a abordagem de problemas como este. A questão passaria a ser formulada como um problema estético, de transposições entre conceito e forma, ao mesmo tempo que um problema político que – para além da forma – se constitui na criação de espaços e de territorialidades que estes proporcionam.

Trabalhar em um panorama, um mapeamento, de formas como o conceito foi abordado me pareceu o melhor caminho. No entanto, ao longo do processo, ficou claro como o termo é mobilizado muitas vezes de forma indireta ou complementar a outras ideias. De todo modo, ao tomar um conceito como objeto, a pesquisa foi traçando desde o início um caminho que me parecia mais interessante que o foco em um estudo de caso local; abordar uma gama mais ampla de situações poderia funcionar como um trabalho crítico muito mais profícuo, no sentido de relativizar um uso do conceito que se reproduz muitas vezes sem reflexão.

O trabalho, no entanto, não deixa de se localizar em um contexto de formação específico – o da FAUUSP – que parece carregar alguns regimes de discurso suspensos em grande parte das atividades. No limite, o que se deseja fazer está dentro de uma forma de autocrítica da racionalidade dentro da qual trabalho e dentro da qual me formei, a partir do foco em um dos conceitos que a constituem. Como Sophia Telles já disse, há um saber-fazer técnico que se reproduz e se desenvolve, ao passo que os discursos permanecem estagnados, sem acompanhar esse desenvolvimento. Seria dedicar o momento deste trabalho a uma forma de revisão discursiva, partindo de um ponto muito bem recortado e ao mesmo tempo muito amplo.

A passagem do discurso sobre o mundo ao discurso sobre arquitetura, das interpretações mais amplas para as soluções práticas, da escala mais abrangente para a menor escala, é sempre um movimento de salto. É muitas vezes feita por síntese, e transposição, daquilo que foi pensado em um âmbito, para o outro.

Trata-se aqui de mapear formas de como é feita essa transposição em diferentes casos, focando particularmente no conceito de território. Este conceito é geralmente associado à grande escala e ao espaço, mas também dissociado dessas noções em muitos casos e entendido como forma de apropriação e de subjetivação, para além do espaço.

Portanto, um conceito que é muitas vezes usado para designar uma larga extensão física, será apropriado pela arquitetura diversas vezes como objeto de referência, citação, para justificar projetos de menor escala. Trata-se de um dos focos do trabalho: a análise estética de momentos da arquitetura como representação daquilo que lhe é externo.

A pesquisa foi desenvolvida em duas frentes, que se complementaram de maneira fundamental: da revisão bibliográfica em torno dos conceitos de território e desterritorialização, e da revisão bibliográfica da produção e crítica da arquitetura dos anos 1960 até o presente.

As experiências de apropriação do termo, geralmente, refletem aquelas dinâmicas que estão contidas na temática do território: domínio, ordem, apropriação, formas de circulação de poder e do desejo. Configura-se aí outro foco de interesse: já que se trata de território, que tipo de territorialidade é proporcionada por estes espaços.

Outro foco é o uso que a arquitetura faz de território como conceito que excede o espaço, principalmente nas concepções de desterritorialização. Configurando um contraponto às experiências que buscam no conceito um amparo de conexão com a grande escala de intervenção.

Procura-se passar por formas como a arquitetura tentou dar um desenho à escala da região, para além da cidade, e como esse tipo de projeto influenciou experiências contemporâneas de projeto que pretendem se referir à grande escala, localizando-se, no entanto, como edifícios pontuais. Da megaestrutura à megaforma, do landscape urbanism ao landform building, até as experiências de arquitetura como representação fiel de elementos da natureza. São diversas as formas que a arquitetura encontrou para fazer uma referência ao território, enquanto extensão física. Veremos como outras experiências se focaram na articulação de territorialidades simbólicas na cidade, sem que isso significasse um desenho fortemente ordenador do espaço; até as interpretações da desterritorialização como fenômeno político, rumo a uma arquitetura que represente esse novo período, ou o uso de um pensamento desterritorializante abstrato rumo a experiências de autonomia formal.

Tais abordagens da arquitetura são derivadas de formas como o conceito já havia sido elaborado em outras disciplinas. Território, de ordenação e domínio, a apropriação, a fronteiras em coexistência, agenciamentos entre objeto, contexto, corpo, agenciamentos subjetivos, territorialização psicológica. Desterritorialização de forma material deslocalizada e conjuntura a forma política abstrata, ligada ao pensamento e ao desejo.

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O uso que Frampton faz do projeto do Terminal de Yokohama e do projeto de Paulo Mendes da Rocha para as Olimpíadas de Paris, como exemplos de megaforma, tratados no mesmo parágrafo de seu artigo, não deixa de trazer algumas questões sobre o possível paralelo entre arquiteturas do território e da desterritorialização. O crítico chega a mobilizar também esses exemplos em seu livro Historia crítica da arquitetura moderna, no qual desenvolve mais uma análise a respeito do papel das grandes coberturas que definem um espaço de “aparecer público”, de uso irrestrito e programas indeterminados. O jogo entre desenho de uma grande estrutura definidora de uma sombra, e o desenho do chão, marcariam articulações que conferem à arquitetura o papel de construção de topografias. No caso de Yokohama a cobertura e o chão se fundem, a cobertura seria definitiva na construção topográfica, segundo Frampton. Já em projetos de Paulo Mendes da Rocha que o autor cita, como o Poupatempo de Itaquera, ou o Museu de Escultura de São Paulo, a cobertura segue rígida e marca o vão livre como espaço indeterminado. É interessante notar como, nessa comparação, há transposições entre desejo e espaço: do espaço livre como entidade rígida, que se impõe como vazio, ao espaço livre que se formaliza em caminhos, fluxos, e como forma orgânica. A arquitetura não deixa de representar de forma profícua as relações políticas desejadas, nesses exemplos, sem contudo se valer de operações de representação direta como aquelas da forma geológica.

Persiste, por outro lado, a questão a respeito de que territorialidades são promovidas por cada espaço desses. O mesmo discurso que sustenta o vão-livre como cobertura de espaços abertos à livre apropriação e à indefinição programática, muitas vezes defende edifícios que se constroem sob o mesmo signo do território, concretizando, no entanto, realidades ordenadas em desenhos rigorosos ou desterritorializadas em nome de um programa único. Da mesma forma, o edifício que se pretende a formalização dos fluxos desterritorializados, parece ser em grande medida a concretização de um só território muito bem determinado.

Como Peter Eisenman bem notou, a abstração na arquitetura moderna representava uma superação das antigas figuras de linguagem em que se apoiava a arquitetura, para tornar-se em seguida, ela mesma, a principal figura de linguagem como vocabulário enraizado da disciplina. Entre os desejos de construir ou de suspender territórios, a arquitetura parece eleger formas finais aos discursos que constrói, sem que elas possam significar o sucesso da síntese a ser aplicada em qualquer realidade dada.

Trabalho disponível em: https://www.academia.edu/7262761/Territorios_no_discurso_arquitetonico_Trabalho_Final_de_Graduacao_ e http://issuu.com/victorprospero/docs/tfg_-_territ__rios_no_discurso_arqu

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